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Demonstre que estou incorreto

Charlie Kirk tinha apenas 18 anos quando, pela primeira vez, entrou em uma universidade. Ele se sentou na praça do
Demonstre que estou incorreto

Charlie Kirk tinha apenas 18 anos quando, pela primeira vez, entrou em uma universidade. Ele se sentou na praça do campus, atrás de uma mesa, segurando um cartaz que dizia: “desafie-me”.

A atitude dele parece estranha em tempos como os atuais. Um momento em que o debate público é repleto de indignações morais, emoções intensas e conflitos. Um momento em que as divergências parecem impossíveis de serem resolvidas por meio do diálogo. Como mencionava o falecido MacIntyre, vivemos em uma era de “incomensurabilidade conceitual” entre nós: o defensor da legalização do aborto acusa o opositor de odiar as mulheres, enquanto o ativista pró-vida acredita que o seu interlocutor despreza as crianças. Ambos levantam a voz, mas quem os escuta percebe que falam em línguas diferentes: argumentos que não se conectam e visões de mundo que não se cruzam, com sistemas de valores totalmente incompatíveis.

Um recent estudo da Gallup ilustra bem, na sociedade americana, a extensão desse abismo: 76% dos republicanos e 0% dos democratas acreditam que o país está no caminho certo. A diferença de 76 pontos é a maior registrada na história dos EUA.

É a narrativa de duas nações presas na mesma geografia. Pessoas que habitam a mesma rua, o mesmo prédio, mas que não compreendem a cultura política de seus vizinhos. Aqueles que se sentem mais próximos dos correligionários com quem se comunicam pela internet do que das pessoas que encontram diariamente na fila do mercado.

Em um tempo assim, em um país assim, é preciso uma grande dose de coragem para afirmar “desafie-me”. Para apostar no diálogo como método. Para acreditar que é possível convencer os opositores – ou, ao menos, entender melhor seus pontos de vista. Para ousar levar o debate livre ao coração das universidades, frequentemente reféns do policiamento da fala e dos complexados espaços seguros contra supostas micro-agressões verbais.

Sejamos francos: Charlie Kirk não era um moderado. Tinha, mesmo pelos padrões americanos, uma postura alinhada à direita e adotou posições que, à luz da cultura política portuguesa, são difíceis de serem compreendidas. Mas é essencial distinguir o radicalismo de suas ideias da moderação de seus métodos. E é igualmente relevante ressaltar que comentaristas e políticos que justificaram seu cruel assassinato – ou que apontaram a ironia de um defensor das armas ser abatido – podem se considerar muito moderados em suas opiniões, mas revelam-se, em termos de métodos e instintos, profundamente radicais e incapazes de aceitar a diferença.

Charlie Kirk era apenas dez anos mais velho que Greta Thunberg. Entre os 18 e os 31 anos, construiu uma rede notável, em universidades e colégios, que reuniu milhares de estudantes e lançou uma nova plataforma de debate livre, organizado e racional. Dessa forma, contribuiu para aumentar a participação e a formação política dos jovens, trazendo novas vozes para o campo da democracia.

Entretanto, seu nome nunca chegou a ser destaque na imprensa europeia, não gerou reportagens exaltadas na televisão e não chamou a atenção do plenário das Nações Unidas. O grande “defeito” de Charlie Kirk era sua orientação política à direita e, por essa razão, sua significativa contribuição cívica foi recebida entre nós com indiferença, apreensão ou ceticismo.

No entanto, para os Estados Unidos, Charlie Kirk foi de extrema importância. Seu assassinato – e as reações subsequentes – refletem um clima cultural cada vez mais perigoso, caracterizado pela polarização e pela demonização do outro.

Quando se acredita que os oponentes políticos são uma nova encarnação de Hitler, é surpreendente que alguém possa recorrer ao assassinato? E inversamente, se acredita-se que outro partido se tornou incapaz de dialogar e abraçou a violência política como método, é tão inacreditável que o ressentimento culminasse em atos de retaliação?

Em tempos como esses, em um mundo como o nosso, vale a pena olhar para trás. Vale a pena reencontrar os ensinamentos dos grandes líderes que, em períodos de crise e desintegração social, foram capazes de, com paciência, curar as feridas do rancor e da divisão.

Figuras como Nelson Mandela ou o General De Gaulle, como Abraham Lincoln ou Adolfo Suárez, e ainda Konrad Adenauer ou Alcide De Gasperi nos mostraram o poder unificador e desarmante que o perdão pode ter. E comprovaram que é possível construir um projeto de reconciliação, quando há uma cultura partilhada e uma aspiração comum à liberdade.

Nossa época, marcada pela polarização e pelo extremismo, demanda cada vez mais líderes dispostos a zelar pelo todo. Não apenas pela firme defesa de suas ideias, mas pelo bem comum. Tal projeto não requer grandes estratégias. Pode começar em uma mesa, com uma disposição clara para o diálogo.

Não concorda comigo? Desafie-me.

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