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Do desprezo do bem à trivialidade do mal

O recente ataque a Charlie Kirk, ativista conservador norte-americano e líder do movimento civil “Turning Point USA”, que resultou em
Do desprezo do bem à trivialidade do mal

O recente ataque a Charlie Kirk, ativista conservador norte-americano e líder do movimento civil “Turning Point USA”, que resultou em sua morte, não foi apenas um crime comum. As circunstâncias que testemunhamos foram uma execução sumária com motivações políticas. Este modus operandi não é algo novo nos Estados Unidos; ao longo da história, vários políticos e ativistas foram alvos de atos semelhantes, como os presidentes Abraham Lincoln e John F. Kennedy, o candidato presidencial Robert Kennedy e o ativista dos direitos civis Martin Luther King, todos vítimas de assassinatos a tiro; ou Theodore Roosevelt, que em 1912 sobreviveu a um atentado enquanto fazia um discurso, insistindo em terminá-lo mesmo com o projétil ainda alojado em seu corpo, assim como Donald Trump, que escapou de uma recente tentativa de homicídio que resultou em um ferimento na orelha.

A violência política existe há muito tempo no Ocidente. Embora não tenhamos sentido sua presença em Portugal nas últimas décadas, os mais velhos certamente lembrarão de grupos de violência política no nosso país, como as FP25 e o MLDP, que provocaram mortes civis nos anos seguintes ao 25 de Abril em nome de objetivos ideológicos e militares.

Porém, foi com espanto, mas não surpresa, que lemos e acompanhamos uma série de manifestações e declarações de setores da esquerda identitária (que rejeitam ser rotulados como extrema esquerda, assim como a direita identitária recusa o rótulo de extrema direita) onde se expressou claramente a celebração pela perda de uma vida humana, unicamente devido ao fato de que este manifestava opiniões que consideravam repulsivas, o que é, por si só, abjeto e perturbadoramente hipócrita. Não se pode professar amor, compaixão e bondade nas redes sociais enquanto se aplaude a morte de um ativista com ideias contrárias no dia seguinte.

Por isso, fiquei chocado e desapontado ao ler um artigo na seção P3 do jornal Público, escrito por Simão Ribeiro Póvoa, membro do partido Livre, onde o autor dedicou seu texto a relativizar a morte de um indivíduo, usando argumentos que ele nunca aplicaria para relativizar a morte de um ativista de esquerda ou de uma mulher vítima de violência sexual, o famoso “pôs-se a jeito” ou “não deveriam se admirar”. Um texto que, se invertesse a narrativa, não seria aceito pela linha editorial do Público, e com razão.

Mas por que motivo é possível a publicação de um artigo que relativiza a morte de um conservador em um dos jornais mais lidos do país e receber aplausos, ao mesmo tempo em que um artigo que fizesse o mesmo sobre o assassinato de um ativista de esquerda nunca passaria pela primeira triagem?

Imaginemos que, após Mamadou Ba, ativista da SOS Racismo, ter sido alvo de assédio e ameaças após declarações lamentáveis sobre as forças de segurança ou sobre Marcelino da Mata, surgisse um artigo nos dias seguintes que relativizasse essas ameaças com expressões como “o wokismo se volta contra Mamadou Ba”, ou “o ativista retribui o que semeou, armado de ódio, ele mesmo se torna vítima de sua política”. Presumivelmente, Simão Ribeiro Póvoa deveria concordar com essa narrativa contra sua própria posição política; no entanto, duvido que ele o fizesse. Acredito que ele reagiria com indignação a um argumento desse tipo, sem perceber que também estaria se indignando contra si mesmo.

Um verdadeiro democrata e um autêntico humanista defendem que nenhum ser humano deve ser alvo de violência ou morte devido às suas opiniões e posições políticas, pois a liberdade de expressão não serve apenas para que o indivíduo possa expressar o que quiser, mas também para que tenha que ouvir o que potencialmente abomina; esse é o preço a pagar pela liberdade. E quem não defende essa premissa não é a favor da democracia ou não entende o conceito em toda sua profundidade. Ambas as sugestões são desabonadoras, e Simão Ribeiro Póvoa se encaixa em uma delas.

Talvez a razão pela qual este artigo foi publicado no Público seja que ele pertence ao que podemos chamar de “ódio do bem”, um ódio que se revestiu de virtudes e, como um decano de moralidade, aponta os caminhos do que considera ser o bem – ou assim acredita.

Quando Hannah Arendt foi a Jerusalém para acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais responsáveis pelo Holocausto, ela ficou estarrecida ao perceber que o réu não era um monstro nas sombras com um desejo vil de exterminar judeus, mas sim um homem comum, como qualquer outro, que apenas cumpria ordens, não diferente de um mecânico ou serralheiro, um ser humano trivial, cuja banalidade conviveu com uma das maiores atrocidades da história. Hannah Arendt chamou isso de banalidade do mal.

É por meio do “ódio do bem” que se chega à banalidade do mal, exatamente porque esse tipo de ódio, por mais que acreditemos em uma causa justa, perpetua a ideia de que é aceitável nutrir aversão à causa contrária. Esse ódio resultará sempre em consequências nefastas, convertendo todo o ódio em mal, mesmo que acreditemos que ele é para o bem, por ser nosso.

A extrema esquerda, uma vez mais, revelou um pouco de sua verdadeira essência com o assassinato de Kirk, uma essência que, no fundo, é espelhada na da extrema direita, aquela que tanto teme, e teme por razões compreensíveis, assim como a extrema direita teme a extrema esquerda por razões que podem ser compreendidas. A principal razão é que ambas se reconhecem muito bem, são o yin e yan uma da outra, com o desejo constante de eliminar-se e estabelecer seu domínio totalitário sobre os demais, desmantelando o poder popular, desestabilizando sociedades inteiras, fomentando a desunião e a perseguição, silenciando opositores e censurando a “má-imprensa”, ocultando os problemas mais profundos da sociedade enquanto se apresentam como uma força imbatível pelo bem e pela virtude.

Esse será nosso destino enquanto acreditarmos na existência de um ódio “do bem”; inevitavelmente, um deles prevalecerá.

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