Nos últimos dias, uma questão me ronda a mente: qual será o futuro de tantos lenços palestinos? Se a guerra em Gaza chegar ao fim e se concretizar um acordo de paz, para onde irá todo esse keffiyeh que agora enfeita o pescoço de tantos por essa Europa?
É possível que o keffiyeh ainda encontre seu lugar no vestuário de inverno, mas corre o risco de acabar esquecido em um canto do armário, ao lado da bandeira com o arco-íris. Todos nos lembramos da época em que não podíamos sair à rua sem sermos bombardeados por cores do arco-íris: em camisetas, canecas, guarda-chuvas, bolos, picolés, pelúcias, calçados, pijamas, cortinas, molduras, cartazes, cadernos, pastas, lápis e borrachas, e tantas outras coisas que foram adornadas com esse símbolo. Até que o excesso de militância acabou por desgastar o arco-íris. Ele deixou de ser apenas uma sequência gostosa de vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, que representava alegria, e se tornou um símbolo da luta LGBT e, posteriormente, do feminismo interseccional, que, segundo o Google, é “uma vertente do feminismo que analisa como diversas formas de opressão, como raça, classe, orientação sexual, religião e deficiência, se entrelaçam e se conjugam com o gênero, gerando experiências únicas e múltiplas de discriminação para mulheres” e de muitas outras causas cujos detalhes mais parecem um índice de livros barrocos sobre anjos e milagres. Aliás, a luta fragmentou-se tanto que a bandeira não só recebeu novas cores — preto e marrom — mas também triângulos e círculos… Deve haver um estudo no ISCTE que discorra sobre isso em maior profundidade, talvez até se trate de tema de doutorado, mas eu não disponho de tempo nem paciência para tal análise.
De qualquer forma, com tantas mudanças na bandeira, nutro a esperança de que em alguns anos nosso alegre arco-íris retorne, pois este é um caso em que os ativistas acabarão lutando entre si, ou seja, desgastando a bandeira. Mas por enquanto, e em uma surpreendente ironia, a bandeira que já foi do arco-íris deve agora compartilhar espaço com o keffiyeh palestino no mesmo armário, onde talvez também encontrem a boina do Che ou a camiseta com o rosto de Ernesto Guevara estampado. Por que isso acontece? Primeiro, porque a relação entre ativismo e moda está cada vez mais estreita (qualquer menção à Sofia Aparício neste ponto é desnecessária). Os ativistas precisam se reconhecer, e não há nada mais universal do que a vestimenta. Em segundo lugar, e aqui entram a boina e a camiseta do Che, a concessão do Prêmio Nobel da Paz a Corina Machado destacou algo inegável: a crise dos regimes narco-comunistas da Venezuela, Cuba e Nicarágua. O maior foco sobre essas ditaduras resultará no frenesi habitual dos ativistas, que logo estarão por aí com o Che estampado, gritando a versão latino-americana dos absurdos que clamaram sobre Gaza.
Certamente, em algum lugar da China, essas transformações estão sendo observadas atentamente. Por conta do merchandising. E não apenas isso.
PS. Esqueci de mencionar os cartazes que pedem por Zonas Livres de Armas Nucleares, que também apareceram em algumas cidades do país, mas talvez mencionar isso atrapalhe a reflexão. De qualquer modo, se alguém tiver um, guarde, pois em breve poderá valer muito.
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