
A utilização de lasers como ferramentas de precisão para investigar como as nuvens se tornam eletricamente ativas pode parecer algo saído de um filme de ficção científica, mas pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria (ISTA) tornaram isso uma prática de laboratório. Ao capturar e carregar pequenas partículas em suspensão no ar com feixes de luz focados, os cientistas conseguem observar como o estado elétrico dessas partículas muda ao longo do tempo. Os resultados, recentemente divulgados na Physical Review Letters, podem ajudar a entender os gatilhos do relâmpago.
Aerosóis são diminutas gotas ou partículas sólidas suspensas na atmosfera, e nos rodeiam constantemente. Alguns são grandes o suficiente para serem visíveis, como o pólen da primavera, enquanto outros, como os vírus que circulam na temporada de gripes, são minúsculos demais para serem vistos a olho nu. Algumas pessoas conseguem até perceber os aerosóis pelo paladar, como as finas partículas de sal transportadas pelos ventos oceânicos.
A estudante de doutorado Andrea Stöllner, integrante dos grupos de Waitukaitis e Muller no ISTA, investiga o comportamento dos cristais de gelo que se formam nas nuvens. Para entender melhor como esses cristais acumulam carga, ela trabalha com aerosóis modelo feitos de pequenas esferas de sílica transparente.
Juntamente com o ex-pós-doutorando do ISTA, Isaac Lenton, o professor assistente Scott Waitukaitis e seus colaboradores, Stöllner desenvolveu uma técnica que utiliza dois feixes de laser que se cruzam para aprisionar, estabilizar e carregar eletricamente uma única partícula de sílica. Essa configuração abre novas possibilidades para investigações sobre como se inicia a eletrificação das nuvens e como o relâmpago é gerado.
Construindo uma Armadilha a Laser Estável
Andrea Stöllner trabalha em uma ampla mesa de laboratório repleta de componentes metálicos polidos. Feixes de laser verde cruzam o espaço, refletindo de espelho em espelho. Um som contínuo e suave, semelhante ao ar saindo de um pneu furado, emana da mesa. “É uma mesa anti-vibração,” Stöllner explica, destacando como protege os lasers de pequenas perturbações no ambiente ou de equipamentos próximos, o que é essencial para medições extremamente precisas.
Os feixes passam por uma série de componentes alinhados antes de convergirem em dois estreitos jatos que entram em um recipiente selado. No ponto de interseção, eles criam um ponto de luz concentrada capaz de manter pequenas partículas no lugar. Essas “pinças ópticas” mantêm aerossóis flutuantes suspensos por tempo suficiente para serem estudados. Quando uma partícula é capturada, um brilho verde intenso aparece, confirmando que a armadilha conseguiu agarrar uma partícula de aerosol perfeitamente arredondada e luminosa.
“Na primeira vez que capturei uma partícula, fiquei nas nuvens,” lembra Stöllner sobre seu momento decisivo, dois anos atrás, pouco antes do Natal. “Scott Waitukaitis e meus colegas correram para o laboratório e olharam rapidamente para a partícula de aerosol capturada. Durou exatamente três minutos, depois a partícula desapareceu. Agora conseguimos manter a partícula nessa posição por semanas.”
Alcançar esse nível de controle levou quase quatro anos. O experimento começou com uma versão anterior desenvolvida por Lenton. “Originalmente, nossa configuração foi criada apenas para segurar uma única partícula, analisar sua carga e descobrir como a umidade afeta essas cargas,” Stöllner explica. “Mas nunca chegamos tão longe. Descobrimos que o laser que estamos usando estava, ele mesmo, carregando nossas partículas de aerosol.”
Como os Lasers Liberam Elétrons
Stöllner e seus colegas descobriram que as partículas ganham carga por meio de um “processo de dois fótons.”
Normalmente, partículas de aerosol possuem carga líquida quase nula, com elétrons (entidades carregadas negativamente) orbitando em torno de cada átomo. Os feixes de laser são formados por fótons (partículas de luz que viajam à velocidade da luz). Quando dois fótons atingem a partícula simultaneamente e são absorvidos juntos, podem remover um único elétron. Ao perder esse elétron, a partícula adquire uma unidade de carga positiva, e com exposição contínua, a partícula se torna progressivamente mais carregada positivamente.
Para Stöllner, identificar esse processo abriu novas oportunidades. “Agora podemos observar com precisão a evolução de uma partícula de aerosol à medida que carrega de neutra para altamente carregada e ajustar a potência do laser para controlar a taxa.”
À medida que a carga aumenta, a partícula também começa a perder carga novamente em explosões curtas e espontâneas. Essas descargas repentinas sugerem comportamentos que podem ocorrer naturalmente na atmosfera.
Nas altitudes elevadas, partículas em nuvens podem passar por ciclos semelhantes de acúmulo e liberação de carga.
Procurando a Primeira Faísca do Relâmpago
Nuvens de tempestade contêm uma mistura de cristais de gelo e pedaços maiores de gelo. À medida que colidem, trocam cargas elétricas. Com o passar do tempo, a nuvem se torna tão eletricamente imbalada que o relâmpago se forma. Uma das teorias é que a primeira faísca de um raio poderia originar-se diretamente de cristais de gelo carregados. No entanto, o mecanismo exato por trás da formação do relâmpago continua indefinido. Outras teorias sugerem que raios cósmicos iniciam o processo, pois as partículas carregadas que produzem aceleram dentro de campos elétricos existentes. Segundo Stöllner, a visão científica atual é que, em ambos os cenários, o campo elétrico dentro das nuvens parece fraco demais para iniciar o relâmpago por conta própria.
“Nossa nova configuração nos permite explorar a teoria dos cristais de gelo, examinando de perto a dinâmica de carga de uma partícula ao longo do tempo,” Stöllner explica. Embora os cristais de gelo naturais em nuvens sejam muito maiores do que as partículas de sílica usadas no laboratório, a equipe espera que entender esses efeitos em pequena escala revele os processos maiores que criam relâmpagos. “Nossos cristais de gelo modelo estão mostrando descargas e talvez haja mais nisso. Imagine se eles eventualmente gerassem minúsculas faíscas de relâmpago – isso seria incrível,” acrescenta ela, sorrindo.
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