
Estamos vivendo um período de ouro na infância e, ao mesmo tempo, no colapso da maturidade. A cada esquina, um pequeno de três anos é tratado como uma fusão de Buda e Steve Jobs: sábio, inventivo, portador de uma autenticidade que o mundo adulto aparentemente perdeu. Os pais, ajoelhados e emocionados, apressam-se para estender um tapete vermelho: protegem seus filhos de tudo que pode contrariá-los, desde a chuva até notas baixas, passando pelo tédio e pelo “não”. As crianças de hoje têm um caminho tão suavizado que, ao crescerem, deslizam no primeiro degrau da realidade.
A educação, que antes visava moldar o caráter, se transformou em um exercício de gestão emocional. As regras são claras: a criança nunca deve sentir frustração. Os educadores são orientados a “inspirar” em vez de exigir; os pais preferem discutir com seus filhos de oito anos sobre o tempo de tela como se estivessem em uma assembleia, e as escolas oferecem prêmios para participação para que ninguém enfrente o trauma da derrota. O resultado é previsível: uma geração que, ao chegar à vida adulta, não sabe perder, não sabe esperar e, muito menos, tomar decisões.
Não é necessário ser sociólogo para perceber o resultado: jovens que permanecem na casa dos pais até os trinta anos, incapazes de lidar com uma crítica suave ou uma entrevista de trabalho sem buscar auxílio psicológico, confundindo opinião com um direito inegável à razão. Segundo dados do Eurostat (2024), 67% dos jovens portugueses entre 18 e 29 anos ainda residem com seus pais. Naturalmente, a culpa, dirão muitos, é da economia. É sempre do contexto econômico. Contudo, nenhuma estatística pode ocultar o fato simples de que educamos para o conforto e não para a luta.
A superproteção dos pais gerou um novo tipo de cidadão: o adulto-infantil. Incapaz de lidar com contratempos, busca segurança em tudo: no emprego estável, no Estado benevolente, nas opiniões predominantes; e reage a críticas como se tivesse sido vítima de um bullying cósmico. Esta é a geração que transforma divergências em ofensas e preferências em identidades intocáveis.
No espaço público – isto é, nas redes sociais – essa infantilização alcançou seu ápice. A antiga praça pública de ideias foi substituída pelo pátio moral, onde cada um compete para ver quem se indigna com mais fervor. É uma disputa feroz, sem riscos nem consequências. A “crítica” se resume a um post, a “rebeldia” a um hashtag, e a “coragem” a um emoji de punho levantado. Nunca foi tão fácil ser um herói: basta aparentar.
O mais irônico é que esses jovens, tão zelosos de sua liberdade, passam os dias esperando que alguém decida por eles. A liberdade, afinal, dá trabalho. Preferem um roteiro: o algoritmo escolhe a canção, o celular determina a hora de dormir, a ‘tribo’ ou a tendência define a indignação correta. A autonomia se transformou em ansiedade. E nós, adultos, celebramos essa conquista, crendo que criamos uma geração mais “sensível”, “consciente” e “empática”. Empática, sim, desde que o mundo esteja de acordo com suas visões.
No passado, a educação preparava para a adversidade. Hoje, prepara para o elogio. Um erro é visto como uma “experiência de aprendizado”; um tapa na mão, “violência emocional”. Os pais confundem autoridade com autoritarismo e tratam os filhos como criaturas protegidas, a quem o mundo deve devoção. O problema é que o mundo não foi notificado. Fora de casa, não há tapete vermelho, apenas asfalto duro. E o choque é intenso.
Alguns enxergam isso como uma simples mudança de costumes. Mas vai além disso: é uma mutação antropológica. Criamos seres humanos incapazes de suportar o peso de sua própria liberdade. A “geração do tapete vermelho” é a mais conectada da história – e a menos independente. Tem tudo ao alcance de um clique, mas não sabe o que fazer com o tempo vago entre cliques.
Enquanto isso, os pais, agora avós, continuam a defender os filhos, agora adultos, com o mesmo zelo irracional que um dia usaram para proteger seus brinquedos. Eles são os que reclamam com os educadores por uma nota baixa, que intervêm nas empresas por entrevistas malsucedidas, que responsabilizam o sistema, a sociedade ou o karma por cada desilusão.
O tapete vermelho, na verdade, nunca foi enrolado. Ele apenas se tornou mais longo. E nesse tapete, desfilam nossas crianças bibelot, com o celular na mão, moral na lapela e sensibilidade de porcelana, em direção a um mundo que já não sabe quem deve educar quem.
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