
Quando um grupo como o de José Maria dos Santos, em Pinhal Novo, decide erradicar completamente qualquer alusões natalinas das imagens escolares para evitar que alguém “se sinta excluído”, não está a criar inclusão para as minorias, mas sim a rescindir à maioria o privilégio de ver a sua própria cultura reconhecida em um espaço que, por definição, pertence a todos. A administração assegura que o valor simbólico das fotografias “permanece preservado”, mas o descontentamento dos pais demonstra exatamente o oposto; a neutralidade visual não é neutra, mas uma escolha que remove a marca cultural da época em nome de uma sensibilidade vaga que ninguém especificamente demandou.
A verdadeira tolerância não se baseia em ocultar o Natal para evitar possíveis ofensas de quem decidiu se estabelecer em um país predominantemente cristão e laico. Ela se fundamenta na expectativa de que aqueles que chegam reconheçam que estão entrando em uma residência com história e rituais próprios e que devem respeitar essa herança, sem que isso signifique que tenham que adotar a fé ou os costumes locais. Transformar o calendário e o espaço público em um território neutro de símbolos para que ninguém “se sinta incomodado” é um convite ao ressentimento, pois passa à maioria a mensagem de que a sua própria identidade é um obstáculo a gerenciar, não um legado a preservar.
Esse movimento de cancelamento não surge por acaso, mas inserido dentro da lógica de um wokismo, que, como muitos analistas têm discutido, opera como uma moral de uma minoria convencida de possuir uma visão exclusiva da justiça social e que requer, dos demais, não diálogo, mas conformidade. A cultura woke se traduz exatamente nessa predisposição para reconfigurar a linguagem, símbolos, celebrações ou conteúdos escolares baseando-se na premissa de que tudo que pertence à maioria é estruturalmente opressor, enquanto tudo que é minoria aparece como a vítima indiscutível, e, portanto, intocável.
Dessa forma, debates legítimos sobre igualdade se metamorfoseiam em agendas de reengenharia cultural, manobradas por grupos menores e muito ativos que conseguem influenciar decisões políticas, currículos escolares e agendas de programação pública além da vontade da maioria. O resultado é uma democracia formal na qual, na prática, muitos cidadãos se calam por medo de serem rotulados como retrógrados ou intolerantes, permitindo que direções escolares ou câmaras de freguesia normalizem medidas que nunca seriam aceitas em um debate aberto sem essa pressão moral constante.
Um padrão semelhante se observa na maneira como a ideologia de gênero entra nas escolas e na televisão pública, apresentando-se com um tom de evidência científica que nem mesmo a comunidade médica subscreve consensualmente. Quando um programa infantil como o “Sex Symbols – transgénero” na RTP2 modifica os termos “homem” e “mulher” para “ser fecundante” e “ser gestante”, e banaliza a ideia de que “rapazes podem ser meninas” utilizando hormônios, o que está em jogo não é apenas explicar a existência de pessoas trans, mas propor às crianças uma nova ontologia na qual o sexo biológico é secundário em relação à auto-percepção, como se isso fosse um dado inquestionável e universal.
A ação de protesto do CDS e o próprio lamento do primeiro-ministro evidenciam a consciência política do caráter delicado dessa mensagem, porém o fato de a RTP a classificar como “não ideológica” revela um clima em que uma visão minoritária é considerada senso comum e quem discorda é empurrado para o campo da intolerância. A escola portuguesa já opera sob o peso de legislações e ordens administrativas sobre autodeterminação de gênero, com recursos próprios e dispositivos burocráticos, enquanto falha em questões básicas de material, o que torna ainda mais evidente a prioridade ideológica que se sobrepõe silenciosamente às necessidades concretas de aprendizado.
Na Itália, a reação política ao avanço dessa agenda foi mais explícita. O governo liderado por Giorgia Meloni fez da defesa das festividades populares e de uma certa “normalidade” cultural um eixo central, bloqueando projetos que buscavam instituir nos currículos escolares a linguagem de gênero neutro ou impor banheiros neutros por decreto. Ao mesmo tempo, a contestação a iniciativas financiadas com dinheiro público para promover a ideologia de gênero nas escolas, muitas vezes sem o conhecimento dos pais, gerou um espaço de resistência que não se confunde com ódio, mas com a recusa de transformar a educação em uma plataforma de experimentação identitária.
Esse exemplo não é um fetiche estrangeiro; ele demonstra que um governo democraticamente eleito pode dizer “até aqui” e afirmar que a inclusão não se dá por meio do apagamento de presépios, renomeando festividades ou diluindo a diferença entre os sexos na educação primária, mas por garantir respeito sem reescrever a realidade. Em Portugal, ao contrário, a combinação de governos favoráveis à agenda identitária e de elites culturais fascinadas pelo vocabulário woke resultou em um panorama onde pequenas administrações locais se sentem legitimadas a ir além, seja em uma escola em Pinhal Novo que retira o Natal das fotografias, seja em uma câmara que opta por um Mercado Comunitário de Inverno ao invés do nome reconhecido como Mercado de Natal.
A questão não é a defesa de um Portugal isolado; é justamente o contrário, um país seguro de sua identidade, capaz de acolher quem vem de fora sem exigir que renunciem a suas crenças, mas também sem abdicar das suas. Cancelar símbolos e festividades em nome de minorias supostamente ofendidas é tratá-las como frágeis e incapazes de convivência, o que representa a forma mais sutil de paternalismo, e também trai a própria essência da tolerância, que pressupõe enxergar e aceitar a diferença ao invés de escondê-la em uma neutralidade cinzenta.
Quando escolas, câmaras de freguesia ou emissoras públicas ajustam calendários, linguagens e programações não para atender o convívio real entre pessoas concretas, mas pelo medo abstrato de acusações da esfera woke, não estão a governar; estão a capitular. A alternativa não se resume a gritar, mas a reaver a coragem tranquila de declarar que o Natal continuará a ser chamado de Natal, que homens e mulheres existem antes de qualquer teoria, que os pais têm o direito de saber o que é ensinado aos filhos e que a inclusão não implica submeter a maioria a uma educação permanente de culpa; é afirmar sem temor o que se é e convidar os outros a compartilhar ou simplesmente a respeitar.
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