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A ‘Classificação Mínima de Candidatura’: sinal de valor ou simples estratégia de divulgação?

O tema da Nota Mínima de Candidatura (NMC) é um assunto bastante técnico. No entanto, por trás da complexidade entre
A ‘Classificação Mínima de Candidatura’: sinal de valor ou simples estratégia de divulgação?

O tema da Nota Mínima de Candidatura (NMC) é um assunto bastante técnico. No entanto, por trás da complexidade entre a faculdade de medicina da Universidade do Porto, a reitoria e o governo, se esconde uma questão relevante que parte de um exame de conhecimentos que precisa alinhar-se a uma NMC de 14.

Não desejo abordar o caso específico que está em debate, mas sim trazer à tona a questão mais ampla e, quiçá, mais relevante sobre a razão de ser da NMC, sua fundamentação, transparência e o direito dos cidadãos, especialmente dos candidatos ao ensino superior, à informação. O exemplo da Medicina na Universidade do Porto pode servir como parâmetro para analisar a política de NMC. Afinal, o que representa a NMC: um indicativo de qualidade ou apenas uma estratégia de marketing? E se for apenas uma artimanha de marketing, é aceitável possuirmos uma norma cujo propósito seja meramente a manipulação do mercado?

As instituições de ensino superior (IES) têm liberdade para definir uma ‘Nota Mínima de Candidatura’ (NMC) para os diferentes cursos oferecidos (Dec. Lei 296-A/98, de 25 de setembro). A NMC não deve ser confundida com a Classificação do Último Aluno Admitido (CUAA); a primeira é determinada pela instituição, enquanto a segunda é influenciada pelas dinâmicas de oferta e procura do mercado. O problema surge quando a NMC alta de um curso com demanda moderada tende a se igualar à CUAA, ou até pode resultar em vagas não preenchidas, como ocorreu na Medicina do Porto em um concurso especial. A maioria dos cursos apresenta uma NMC de 95 ou 100 na escala de 0 a 200. Ao longo dos anos, várias IES elevaram suas NMC para valores superiores, criando uma ‘distinção’ na estrutura social do Ensino Superior que necessita de uma análise sociológica. Uma NMC elevada projeta uma imagem de uma “Educação Superior” mais rigorosa e de qualidade superior, portanto, naturalmente atrai interesse. É, basicamente, uma ‘marca de prestígio’. No entanto, essa mensagem é realmente verdadeira ou apenas uma valorização enganosa? Em que medida as NMCs estão artificialmente moldando a reputação das instituições? Até que ponto estão contribuindo para a inflação das notas do Ensino Secundário? Até que ponto isso é ético?

A NMC de 160 (em referência à mais alta atualmente exigida em Portugal) para um determinado curso de licenciatura/mestrado por uma IES representa, de fato, um valor acrescentado em termos educacionais, científicos, tecnológicos e ou humanísticos, ou é o resultado de uma decisão arbitrária de quem administra a IES? Ou seja, trata-se de uma burocracia absurda que encontramos em tantas instituições no país? Ou, em alguns casos, é uma estratégia de marketing enganosa que valoriza artificialmente um produto, criando publicidade enganosa? Se não existe, para cada NMC, uma justificativa escrita e acessível ao público (e não existe), nem fundamentos externos (classificações, avaliações A3ES, certificação) que se diferenciem de cursos similares em outras IES, não estaríamos diante de uma forma de publicidade disfarçada? A questão que o cidadão deve ponderar é como pode ter a certeza de que a ‘distinção’ apontada pela NMC tem uma base sólida!

A principal questão que surge é onde está e como pode ser identificada a linha que separa a verdadeira ‘distinção’ (se é que existe?); a astúcia da ‘falsa distinção’ (a NMC como um indicativo de prestígio) em uma competição entre escolas; e a evidente enganação que caracteriza a publicidade enganosa, que implica custos elevados para candidatos ao ensino superior, seus responsáveis e para a sociedade como um todo. Isso é especialmente relevante considerando que a maioria das IES com NMC (72,41%) estão localizadas em Lisboa, onde os custos associados são proporcionalmente mais altos devido ao alojamento e ao custo de vida. Se a NMC influencia a demanda e o acesso ao Ensino Superior de maneira enganosa, isso representa um detrimento nacional que deve ser corrigido. Essa discussão é o que este artigo se propõe a elucidar. A educação, no contexto cultural (Pierre Bourdieu), é um ‘capital simbólico’ que organiza ‘distinções’ (mas também ‘imitações de distinções’) entre estratos sociais. Portanto, cabe a nós, enquanto responsáveis políticos e cidadãos, questionar como esse capital simbólico é negociado e qual é seu verdadeiro valor. Muitos acreditam que o mercado desempenha um papel fundamental, mas e se não for assim? Quando o mercado é manipulado (como pode ser o caso da NMC), temos a responsabilidade de realizar uma análise crítica e, posteriormente, tomar ações políticas.

O ‘campo simbólico’ da Educação Superior divide-se em dois pares de sistemas (público e privado, politécnico e universitário) e em várias subáreas temáticas. A verdade é que a NMC se manifesta de maneiras diferentes conforme as estruturas específicas do campo. Assim, ao estabelecer como variáveis de análise, por um lado, um comportamento uniforme e, por outro, uma consistência versus inconsistente, podemos afirmar que o subsistema Privado e o Politécnico são predominantemente planos (a NMC é geralmente 95 ou 100), enquanto o subsistema Público Universitário revela um comportamento modal, demonstrando diferentes NMCs e uma variação de até 65 pontos (!) no mesmo curso em instituições diferentes, ou até na mesma instituição (por exemplo, estabelecendo NMCs diferenciadas para regimes laborais e pós-laborais), caracterizando, assim, inconsistências diversas que são difíceis de justificar do ponto de vista científico e pedagógico, levantando questionamentos claros sobre uma possível manipulação do mercado. Embora a autonomia das instituições de Ensino Superior seja um princípio incontestável segundo a nossa Constituição (artigo 76º da CRP), este deve ser equilibrado com os direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito à informação perante a Administração Pública (artigo 268º da CRP), e não deve servir para legitimar práticas ilegais ou mesmo fraudulentas, passíveis de fiscalização (artigo 11 do RJIES). Para que isso não se concretize, a tutela deve atuar quando necessário, e, neste caso específico, o cidadão deve ter acesso aos fundamentos de cada NMC de cada curso/estabelecimento de ensino. O que encontramos é uma ‘cultura de opacidade por padrão’, uma cultura de falta de clareza ou ‘transparência reativa’, como afirmam diversos juristas, que só apresenta justificativas quando há pressão pública, e, em muitas ocasiões, nem sequer conseguimos tal resposta!

A história da NMC oferece pistas para essa análise. Os arquivos dos Guias de Acesso ao Ensino Superior estão apenas em papel, desde antes de 2006 (!), o que demandou não apenas uma visita à DGES, mas também uma negociação para a consulta a tempo para a elaboração deste ponto! Tudo inicia em 1999, e as NMC estão diretamente vinculadas aos ‘estabelecimentos de ensino’ e não especificamente aos cursos. Assim, parece existir uma lógica de ‘Apellation’ (uma marca de qualidade de origem) da Escola. As primeiras a estabelecer NMC foram as Medicina, Engenharias, Direito (no Porto)… e Belas Artes em Lisboa. Medicina e Medicina Dentária na Universidade Clássica de Lisboa possuem NMC de 160, enquanto Medicina na Universidade Nova de Lisboa (UNL) tem 150; o IST e o ISA (Universidade Técnica de Lisboa – UTL) têm 120, assim como a NMC de Direito no Porto. Em Lisboa, Belas Artes começam com 130 e retornam para 100 em 2002. O ISA também retorna para 100 no mesmo ano. Em 2001, outras áreas de Medicina passam a adotar NMC, como a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e a Universidade do Minho, que definem 140 como NMC; Medicina Veterinária na UTL varia para 120. Enquanto isso, na UNL, a Faculdade de Economia passou a ter uma NMC de 125 para os cursos de Economia e Gestão. Além disso, na mesma Universidade Nova (na FCT), Engenharia Informática passou a ter NMC de 120, destacando-se entre outros cursos. Esse momento marca a primeira vez em que um curso se diferencia dentro da mesma faculdade, complicando a análise – pois já não se trata mais da marca da escola. Em 2019, o ISCSP da Universidade de Lisboa também ingressa na lógica das NMC, inscrevendo todos os seus cursos, que além da hierarquia externa (cursos únicos em suas áreas) ainda acrescenta uma hierarquia interna e diferenciações entre regimes laborais e pós-laborais. Em síntese, com o passar do tempo, o critério da ‘apellation’ da escola parece ter se dissipado, criando inconsistências que dificultam a compreensão real da NMC. Isso precisa ser esclarecido em benefício de todos.

Atualmente, existem duas hierarquias distintas nos cursos de ensino superior: a que resulta das NMC e a que provém da Classificação do Último Aluno Admitido (CUAA).

Realizemos uma análise científica (para o ano 2024-25) a partir da qual o leitor pode facilmente extrair conclusões. Resumindo, e seguindo as áreas do Guia do Estudante publicado pelo Expresso, há áreas absolutamente planas (Desporto, Agropecuária, Educação, Línguas e Turismo); áreas em grande parte planas (Ambiente e Artes), com destaque para apenas um curso em cada uma; áreas que possuem cursos modais (Direito e Saúde), onde se destacam, respectivamente, o curso de Direito e os diversos Cursos de Medicina (Ciclo Básico; Mestrado Integrado; Dentária, Veterinária); áreas com uma ou duas instituições modais (Ciências Sociais; Estudos Militares e Policiais; Informática; Tecnologias), nas quais se ressaltam, respectivamente, o ISCSP da Universidade de Lisboa (possui 9 dos 10 cursos com NMC), a Academia Militar (com 7 dos 8 cursos com NMC), o IST (com 5 dos 6 cursos com NMC) e, no quarto caso, também o IST (com 11 dos 16 cursos com NMC). Finalmente, áreas de complexidade modal (Estudos Empresariais e Ciências). Estudos Empresariais apresenta 13 cursos com NMC em 4 instituições: Universidade de Lisboa (5 no ISCSP), 4 na Universidade Católica, 2 na Universidade Nova e 2 na Universidade do Porto. Ciências (5 cursos) estão distribuídos entre três instituições da Universidade de Lisboa, um da Universidade do Porto e um outro da Escola Universitária Vasco da Gama.

Merece menção que, em um universo de 1660 cursos de licenciatura do sistema total, 11 não possuem informação. Dentre os 1649 com informação, 88 apresentam uma NMC superior a 950/100. Isso significa apenas 5,3%. Deste universo de cursos que adotam a lógica da NMC, 43 (48,8%) pertencem à Universidade de Lisboa, 13 (14,7%) à Universidade do Porto, 8 (9%) à Academia Militar, 6 (6,8%) à Universidade Católica, e 6 (6,8%) à Universidade Nova de Lisboa. Os demais 12 cursos estão distribuídos por várias instituições. É possível concluir que as IES de Lisboa (Universidade de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Academia Militar, Escola Naval, Universidade Católica e Escola Universitária Vasco da Gama) são as que mais utilizam a NMC, totalizando 64 cursos: assim, o ecossistema de ensino superior em Lisboa é responsável por 72,72% de todo o sistema de rotulagem NMC!

É digno de nota também uma correlação inversa entre vários cursos entre NMC (Nota Mínima de Candidatura) e CUAA (Classificação do Último Aluno Admitido), ou seja, entre uma NMC não fundamentada e a escolha do mercado.

Para não ser excessivo, destacaremos aqui um grupo de cursos que são únicos a nível nacional em suas áreas disciplinares, utilizando a rotulagem NMC (no contexto de 2024-25). Temos 18 cursos desse tipo, todos provenientes da Universidade de Lisboa. Esses cursos incluem Engenharia do Ambiente; Arquitetura; Engenharia de Telecomunicações e Informática; Engenharia Informática; Engenharia Civil; Engenharia Biomédica; Engenharia Eletrotécnica e de Computadores; Engenharia Química (IST – Universidade de Lisboa), Matemática; Biologia; Bioquímica (FC- Universidade de Lisboa), Administração Pública; Antropologia; Ciências da Comunicação; Ciência Política; Relações Internacionais; Serviço Social; Sociologia; Gestão de Recursos Humanos (ISCSP – Universidade de Lisboa). Entre esses cursos, há alguns onde a correlação é totalmente oposta: a NMC mais alta corresponde às CUAA mais baixas. São os casos de Arquitetura (IST-Universidade de Lisboa) e Ciência Política e Administração Pública (ISCSP-Universidade de Lisboa) – todos esses têm as CUAA mais baixas entre os cursos com a mesma denominação nas IES universitárias públicas com as quais competem. Os únicos em que uma NMC mais elevada coincide com a preferência do mercado (CUAA mais alta) são Engenharia do Ambiente, Engenharia Biomédica (IST – Universidade de Lisboa) e Biologia (Faculdade de Ciências– Universidade de Lisboa).

Por fim, outra correlação inversa pode ser observada: os cursos com NMC encontram-se amplamente em Lisboa, como já foi mencionado, e apresentam NMCs mais elevadas, enquanto as CUAA mais altas são provenientes de IES localizadas no Norte.

Em resumo, temos duas possibilidades: ou a NMC funciona como um mecanismo discrecionário de intervenção e manipulação do mercado, ou é uma classificação coletiva (uma ‘apellation’) que assegura ao candidato e suas famílias a qualidade (científico-tecnológica e pedagógica) do curso. No primeiro cenário, a discricionariedade precisa ser claramente informada, definindo as consequências adversas e avaliando a legalidade e a ética desse procedimento; no segundo, é imprescindível que isso seja regulamentado, e que os critérios sejam transparentes. Em qualquer hipótese, falta neste momento ao público um fundamento e uma informação clara.

* Nota 1: Fontes: Utilizaram-se diversos guias de Acesso ao Ensino Superior. Para a análise do ano 2024-25, foi utilizado o Caderno do Expresso (Guia do Estudante – de 25 de julho de 2025).

**Nota 2: Como resultado deste breve estudo, foi enviado um e-mail em nome do FACES (Fórum de Auditoria Cidadã ao Ensino Superior) à CADA (Comissão de Acesso a Documentos Administrativos) solicitando que emitisse uma recomendação para que as IES disponibilizassem os documentos que fundamentam as NMC.

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