
No início da década de 1990, Portugal investiu na educação universitária de seus jovens. Desde então, o número de cidadãos portugueses com diplomas universitários cresceu, resultando numa desvalorização dos próprios cursos superiores. Não havia (e ainda não há) vagas suficientes no mercado de trabalho para que todos pudessem utilizar suas qualificações acadêmicas. As alternativas eram aceitar salários baixos, seguir caminhos completamente diferentes de suas áreas de estudo ou emigrar.
Simultaneamente, os diversos governos começaram a focar no turismo, com o objetivo de transformar Portugal na “Flórida da Europa”. Isso implicava atrair aposentados europeus, que, com suas aposentadorias generosas, teriam dinheiro e tempo para gastar, fazer compras e usufruir de refeições fora de casa. Este movimento não promovia qualquer produção econômica; tratava-se, essencialmente, de consumo. A estratégia foi apoiada por muitos políticos que também defendiam que era essencial investir na educação superior dos jovens. Mas o que esses jovens deveriam fazer com essa formação? Ninguém se preocupou em responder a essa pergunta. Assim, a contradição entre os dois modelos de desenvolvimento, que coexistiam, nunca foi resolvida. A solução encontrada foi aceitar salários baixos, dedicando-se a atividades distantes de suas formações ou emigrar.
Um número considerável de jovens optou pela emigração. Os salários em outros países da Europa eram mais atraentes, e lá poderiam trabalhar nas áreas em que haviam se especializado. Enquanto isso, Portugal se concentrava em turismo e na recepção de aposentados europeus, o que gerou uma carência de mão de obra no setor da restauração, solucionada com a imigração de trabalhadores baratos. Segundo dados do Pordata, em 2023, 76% da população estrangeira em Portugal era originária de fora da UE, e um terço dos imigrantes no país vivia em situação de pobreza. Um estudo do Banco de Portugal revela que em 2024, quatro em cada dez imigrantes estavam empregados no setor agrícola, enquanto muitos outros atuavam na hospitalidade e na restauração. Ambas as pesquisas confirmam um crescimento acentuado da imigração nos últimos dez anos. Embora o turismo seja um negócio lucrativo, exceto em setores muito específicos, ele não requer mão de obra qualificada e, ao representar uma parte significativa do PIB, acaba por desvalorizar o setor produtivo.
É interessante notar que o país reclama de um fenômeno que é um resultado direto de um modelo de desenvolvimento adotado consciente e inequivocamente há três décadas, raramente questionado. Com uma economia baseada em tarefas que muitos portugueses não desejam realizar, simplesmente expulsar os imigrantes não integrados não resolverá as tensões que sua presença causa. Se forem embora, a economia entra em colapso e os serviços públicos sofrerão as consequências. Até mesmo o superávit orçamental que muitos se orgulham pode estar em risco. Por quê? Porque este provém, em grande parte, do excedente da Segurança Social, que se sustenta na entrada de imigrantes. Se alguém acreditar que é possível agir de outra forma e implementar suas ideias no governo, estou curioso para ver. Não gostaria de estar em sua posição, pois, sem dúvida, falhariam e fariam o país entrar em crise mais rapidamente do que José Sócrates. O ponto crucial é que, se a maioria deseja uma sociedade com menos imigrantes não qualificados, é imperativo repensar o modelo econômico. Qual seria esse novo modelo? Seria essencial que isso fosse clarificado, uma vez que precisaríamos abandonar uma economia centrada no turismo e na restauração, e buscar outras formas de gerar riqueza e crescimento econômico. Qualquer discussão que não conduza a essa reflexão não passa de conversa vazia.
P.S.: Se queremos construir mais residências para reduzir os preços da habitação e erigir um novo aeroporto em Lisboa para receber um número maior de turistas, também necessitamos de imigrantes. Aqueles que não se incomodam em atuar na construção civil. Como é usual, a maioria virá de nações mais empobrecidas e, independentemente do desconforto que isso cause à boa consciência dos portugueses que preferem não vê-los, eles terão que estar presentes. Nada é invisível. Nem as pessoas, nem a realidade.
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