
Embora eu e a Rute ainda não tenhamos chegado aos 50 anos, já nos envolvemos em discussões típicas de pessoas mais velhas. Em Portugal, aos 40 anos, já se considera que uma pessoa está a envelhecer e isso é evidente, por exemplo, nas conversas sobre datas. A disputa sobre datas é uma das melhores evidências do envelhecimento precoce que caracteriza o nosso país. “Não foi em 96, tenho certeza!” “Estou te dizendo que foi em 97, no verão!” E assim por diante. É garantido que nos tornamos mais velhos ao debater datas.
A Rute frequentemente prevalece nas discussões porque tem provas. Desde que adquiriu a sua primeira câmera digital, acumulou um verdadeiro arquivo fotográfico. Debater com a Rute é semelhante a argumentar com alguém das Testemunhas de Jeová, e a derrota é inevitável, pois ela possui toda a documentação. Como ocorre isso? Entramos em debate, eu fico cheio de convicção, enquanto ela desaparece discretamente, busca os arquivos que armazenou e, finalmente, com uma elegância implacável, me envia a foto ou vídeo que comprova que estou enganado. Um dos terrores desta era digitalmente registrada é que, para ter razão, precisamos ser certos—odeio viver neste tempo.
Recentemente, enviou-me um vídeo pelo WhatsApp. Felizmente, não foi por causa de nenhuma disputa anterior sobre datas. Eram quarenta segundos de 2011, creio (melhor eu confirmar com ela). Na nossa sala, aparece o nosso Caleb, com um ano na época (é melhor eu confirmar com ela), assistindo a um episódio do Marco (nossos filhos foram obrigados a conhecer os clássicos da nossa infância: o Marco, a Heidi, o Conan, a Ana dos Cabelos Ruivos). Ao seu lado, estou eu, com um pouco mais de peso (como eu gostaria de estar um pouco mais pesado) e, no final, aparece o Joaquim, com cerca de três anos. Uma cena simples da família que éramos em 2011 (é melhor confirmar com ela).
Assistir ao vídeo imediatamente me deixou emocionado. Ao ver essas gravações, sinto-me devastado. Elas me fazem questionar se realmente estive lá. Não consigo me lembrar de ter estado presente, naquela tarde, sentado com meus meninos. Claro que recordo de momentos assim, mas não o suficiente. Em 2011, eu estava focado em tudo que um homem na casa dos trinta se preocupa: no trabalho, no futuro, enfim, em tudo que é passageiro. Passei o passado preocupado com o que não é duradouro. Que terrível desperdício. O que deixei escapar? Deveria ter estado mais presente com meus filhos, com minhas filhas, com minha esposa. Nunca estive ausente da minha família, mas não tive a concentração que deveria.
Por estar envolvido em cuidar da vida de outros homens na igreja, sei que o que estou confessando não é um sentimento isolado. Acredito que posso generalizar essa distração masculina, resultante de como focamos nossa atenção quando estamos com a família. Mas daí surge uma triste ironia: ao se preocuparem em cuidar da família de forma masculina, os pais também perdem os momentos simples que gostariam de reviver mais tarde. A cada gravação antiga dos meus filhos pequenos nasce um remorso por nunca mais poder vivenciar aqueles momentos. Vivo constantemente insatisfeito com o tempo e o lugar que ocupamos, ecoando pateticamente o refrão do António Variações.
Se Deus me conceder uma vida longa, dizem que poderei encontrar consolo nos netos. Até nisso já sinto que estou desalinhado com meu tempo e com meu espaço, pois todos os nossos filhos ainda estão conosco e com a Rute—o que eu realmente preciso é aproveitar melhor o que acontece agora, claro. Mas como sabemos se estamos realmente onde aparentamos estar? Com tantos registros digitais, nossa era pode ser a melhor prova de que o local onde somos gravados não garante que realmente estivemos ali. Quando no futuro visualizarmos os vídeos que gravamos agora, poderemos desejar estar muito mais neles do que no momento real. O mais desafiador é o que é mais comum e mais precioso: estar presente, com ou sem registros, mas com a atenção que é a manifestação diária do amor.
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