O debate entre António José Seguro e António Filipe esquentou os ânimos, com ambos competindo pelos votos da esquerda. Cientes de que esse confronto poderia ser crucial — para descobrir quem conquistaria os eleitores desse espectro político e quais seriam os desdobramentos da segunda volta — vieram preparados com ataques prontos. Seguro apostou no chamado voto útil, afirmando que seu opositor passará “mal as noites” por não ter se retirado da corrida; enquanto António Filipe, por sua vez, contra-atacou, acusando o socialista de ter um discurso que “não diz nada” e associando-o a Passos Coelho.
O debate começou, curiosamente, com ambos focados em assuntos distintos, pois as primeiras perguntas envolveram o caso Spinumviva e os clientes de Luís Marques Mendes. Em relação ao primeiro tema, Seguro tentou encerrar a discussão afirmando que a Justiça cumpriu seu papel, enquanto Filipe levantou preocupações éticas e políticas. No segundo ponto, o socialista reafirmou que irá divulgar seus “quatro ou cinco” clientes até segunda-feira, enquanto o comunista apresentou uma folha em branco: “esta é a minha lista de clientes: nenhum.”
A troca de ataques começou a partir daí, com Seguro pressionando o adversário em busca do voto útil. Após ouvir António Filipe associá-lo a Marques Mendes e Gouveia e Melo, tentando mostrar quem estaria “mais próximo politicamente”, o ex-líder do PS lançou um dos argumentos que dominariam o debate: “António Filipe não dormiria tranquilo se o resultado da primeira volta fosse André Ventura e Marques Mendes”, provocou, apelando à “concentração” dos votos da esquerda e lembrando o “desequilíbrio” atual em favor da direita na política nacional.
Com isso, António Filipe fez de tudo para contestar a ideia de que Seguro poderia ser o responsável por garantir esse equilíbrio. “Seu discurso não diz nada de esquerda”, disparou, acusando o opositor de estar tendo “grandes dificuldades” para convencer os eleitores do PS e de se concentrar agora no eleitorado mais à esquerda. Questionou onde estava seu adversário no dia da greve geral (“a conversar com jovens sobre democracia”), tentando sempre retratar Seguro como alguém que ficou “em cima do muro” muito tempo em relação ao pacote laboral e finalizou ligando-o a Passos, com quem teria “posições bastante semelhantes”.
Seguro não se deixou abalar: desde logo, refutando a associação a Passos como um “mito urbano” (“não tente me colar a quem não sou colável”); além disso, acusou o adversário de utilizar a greve como arma política e de não ter o “monopólio” na defesa dos direitos dos trabalhadores.
O debate rapidamente viajou ao passado de Passos e ao período da geringonça: Seguro enfatizou que foi graças a ele que não ocorreu uma revisão constitucional para impor limites à dívida e ao déficit; o opositor afirmou que esteve ao lado de Passos na redução do IRS para grandes empresas e que não pôde combater a troika ao lado de Seguro; e este retrucou dizendo que, após ser derrotado como líder do PS, foi trabalhar — ouvindo o comunista acusá-lo de só ter voltado a assumir posições políticas quando avistou a oportunidade de se candidatar à Presidência da República.
A discussão voltaria ao ponto que, na verdade, é a principal fonte de tensão entre os dois: Seguro insistiu que Filipe ainda vai “dormir mal” se ajudar para que nenhum candidato da esquerda chegue à segunda volta, mantendo uma candidatura “simpática”, mas que não possui “condições para avançar à segunda volta”, fazendo pressão máxima no voto útil: todo voto em um candidato à sua esquerda é “meio voto na direita”.
António Filipe revidou, afirmando que os “ovos” colocados no “cesto” da candidatura de Seguro estão “no mesmo cesto de Mendes e Gouveia e Melo” e recordando que, em outras eleições, os candidatos do PCP já haviam desistido de suas candidaturas, mas com outros nomes — “Seguro não é nem Salgado Zenha nem Jorge Sampaio.”
As últimas discordâncias ocorreram sobre a Europa e a situação na Ucrânia: Seguro se dedicou a expressar preocupações e a apresentar o comunista como um radical, questionando-o se “já chegou à posição de defender a saída de Putin da Ucrânia”, enquanto António Filipe afirmava que a UE “pugnou pela guerra” e que, sim, condena a invasão russa, com Seguro respondendo que a primeira afirmação é “muito grave” e quanto à segunda… “bem vindo, é a grande revelação”.
O comunista acabou acusando Seguro de provocá-lo para “salvar o debate” no final. O que não se salvou foi o tom, inicialmente amigável, com que a disputa havia começado.
Diálogo mais revelador
António Filipe (AF): O que se observa é que, do ponto de vista político, António José Seguro apresenta um discurso que não é carne nem peixe, como costuma dizer o povo português. Ou seja, não se pronuncia em relação à esquerda. Ou seja, apela ao que eu chamo de consenso neoliberal.
António José Seguro (AJS): E qual é esse consenso neoliberal, António?
AF: Já lhe forneci alguns exemplos.
AJS: Como em relação à legislação laboral, por exemplo…
AF: Legislação laboral, exatamente. Onde estava António José Seguro no dia 11 de dezembro, quando ocorreu a greve geral? Participou de um debate promovido pela Câmara de Eiras.
AJS: Não, não. Eu estive com jovens, centenas de jovens, discutindo sobre democracia e direitos dos trabalhadores.
AF: Eu estive, exclusivamente, naquele dia, ao lado dos trabalhadores que participaram da greve geral.
AJS: Acredito firmemente que um candidato à Presidência da República não deve instrumentalizar as greves. Um candidato deve respeitar a autonomia e a independência do movimento sindical. Portanto, discordo de você. Mas em relação à alteração da legislação laboral, as coisas foram diferentes e você viu como fui firme e claro ao afirmar que considerava que essa proposta violou um princípio democrático, não foi apresentada aos eleitores antes das eleições, que falhou na concertação social e que não correspondia a nenhuma das necessidades do nosso país. Por exemplo, a desigualdade entre homens e mulheres. É algo indigno no nosso país, a disparidade salarial. Os jovens portugueses são os que saem mais tarde da casa dos pais.
AF: Você está tentando acusar-me de instrumentalizar os trabalhadores. Esse é o discurso da direita. Essa acusação veio da direita. Quanto à greve geral, António José Seguro levou muito tempo para se pronunciar sobre o pacote laboral. E mesmo em relação à greve geral. Quando as centrais sindicais convocaram a greve geral, você permaneceu em cima do muro por muito tempo, observando aonde a queda iria levar.
AJS: Não é verdade.
AF: Desde o primeiro dia, desde que tomei conhecimento desta proposta de pacote laboral, deixei claro que, como candidato à Presidência da República, não teria nenhuma neutralidade nessa questão. Entre os interesses das confederações empresariais e os interesses dos trabalhadores, que já estão tão fragilizados e que recebem salários tão baixos, eu estaria ao lado dos trabalhadores. E não tenho nenhuma hesitação em relação a isso. Por isso, no dia 11 de dezembro, dia da greve geral, a única atividade que realizei foi visitar piquetes dos trabalhadores em greve, participando na manifestação convocada pelos trabalhadores naquele dia, porque entendo que tenho um dever de solidariedade para com aqueles que trabalham neste país, que enfrentam uma situação já muito difícil, e que com esse pacote laboral tudo iria se agravar.
AJS: António Filipe não detém o monopólio na defesa dos direitos dos trabalhadores.
AF: Nunca afirmei que tinha. Quem fez a greve geral foram os trabalhadores, que teve um grande significado e que levou até candidatos a alterar suas posições sobre o pacote laboral, inclusive o seu. Porque o seu discurso antes da greve geral foi diferente do que depois dela.
AJS: Certamente você está confundindo isso com outras pessoas. Sempre tive uma posição muito clara e firme em relação a essas alterações da legislação laboral. E mantenho essa posição.
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