
Um estudo recém-publicado está transformando a forma como os cientistas entendem a ascensão da civilização urbana na antiga Mesopotâmia. A pesquisa sugere que o surgimento da Suméria, frequentemente chamada de berço da civilização, não foi apenas resultado da engenhosidade humana, mas também de forças naturais poderosas. Segundo os autores, a interação entre rios, marés e sedimentos em movimento na borda norte do Golfo Pérsico desempenhou um papel fundamental na formação dos primeiros centros urbanos do mundo.
Publicada na revista PLOS ONE, a pesquisa Fundamentos Morfodinâmicos da Suméria foi liderada por Liviu Giosan, Cientista Sênior Emérito em Geologia e Geofísica no Instituto Oceanográfico Woods Hole (WHOI), e Reed Goodman, Professor Assistente de Ciências Sociais Ambientais no Instituto Baruch de Ecologia Social e Ciências Florestais (BICEFS) da Universidade Clemson. O trabalho deles se baseia em anos de pesquisa colaborativa por meio do Projeto Arqueológico Lagash, que reúne arqueólogos iraquianos e o Museu da Pensilvânia da Universidade da Pensilvânia.
A Água Moldou Agricultura e Sociedade Iniciais
Os pesquisadores apresentam um novo modelo paleoambiental que demonstra como os ritmos das marés influenciaram as primeiras etapas da agricultura e da organização social na Suméria. Em vez de serem moldadas apenas por inundações fluviais, o crescimento da região estava ligado a padrões de maré previsíveis que forneciam água e solo fértil.
“Nossos resultados mostram que a Suméria foi literalmente e culturalmente construída sobre os ritmos da água”, afirmou Giosan. “Os padrões cíclicos das marés, juntamente com a morfodinâmica do delta — como a forma de uma paisagem muda ao longo do tempo devido a processos dinâmicos — estavam profundamente entrelaçados nos mitos, inovações e vidas diárias dos sumérios.”
A Suméria, localizada no sul da Mesopotâmia (atual Iraque), é amplamente reconhecida como uma das civilizações mais antigas da humanidade. Produziu muitas inovações, incluindo a escrita, a roda e a agricultura em grande escala. As cidades-estado da região — Ur, Uruk e Lagash, entre outras — desenvolveram sistemas políticos e religiosos complexos que se tornaram o modelo para sociedades posteriores.
A nova pesquisa indica que, entre 7.000 e 5.000 anos atrás, o Golfo Pérsico se estendia muito mais para o interior do que hoje. Duas vezes ao dia, as marés transportavam água doce para o interior, profundamente, nos baixos rios Tigre e Eufrates. Os primeiros agricultores provavelmente aproveitaram esse fluxo consistente ao escavar canais curtos para irrigar campos e palmeirais, permitindo uma agricultura produtiva sem a necessidade de grandes projetos de irrigação.
Quando as Marés Recuaram, a Civilização se Transformou
Com o tempo, sedimentos transportados pelos rios formaram deltas na cabeceira do golfo, bloqueando o acesso das marés a áreas internas. Essa mudança ambiental, segundo os autores, causou desafios ecológicos e econômicos generalizados. A perda das águas das marés pode ter forçado as comunidades sumérias a responder com sistemas de irrigação e controle de inundações em larga escala — inovações que definiram a era de ouro da Suméria.
“Frequentemente imaginamos paisagens antigas como estáticas”, diz Goodman. “Mas o delta mesopotâmico era tudo, menos isso. Suas terras inquietas e mutáveis exigiam engenhosidade e cooperação, despertando algumas das primeiras experiências de cultivo intensivo na história e ousadas experimentações sociais.”
Além da mudança ambiental, os pesquisadores conectam essas origens aquáticas à identidade cultural da Suméria. O estudo relaciona os mitos de inundação da região e deidades associadas à água à própria paisagem, sugerindo que a religião suméria evoluiu a partir de sua relação íntima com marés e rios.
“As conclusões radicais deste estudo estão claras no que estamos encontrando em Lagash”, acrescenta Holly Pittman, Diretora do Projeto Arqueológico Lagash do Museu da Pensilvânia. “Mudanças ambientais rápidas fomentaram desigualdade, consolidação política e as ideologias da primeira sociedade urbana do mundo.”
Reconstruindo uma Paisagem Perdida
Usando dados ambientais e geológicos, amostras de sedimentos de Lagash e imagens de satélite em alta resolução, a equipe recriou como era a linha costeira da Suméria. Sua reconstrução oferece uma visão de como as sociedades antigas se adaptaram a mudanças drásticas em seu ambiente e como esses desafios estimularam inovações.
“Nosso trabalho destaca tanto as oportunidades quanto os perigos da reinvenção social diante de crises ambientais severas”, concluiu Giosan. “Além dessa lição moderna, é sempre surpreendente encontrar história real escondida em mitos — e pesquisas verdadeiramente interdisciplinares como a nossa podem ajudar a descobri-la.”
A pesquisa foi financiada pela Fundação Nacional de Ciência (NSF), pelo Laboratório de Acelerador de Massas para Ciências do Oceano (NOSAMS), pelo Instituto Oceanográfico Woods Hole (WHOI) e pelo Museu da Pensilvânia. Apoio adicional para Giosan veio do STAR-UBB e ICUB na Romênia. Goodman completou sua parte do trabalho como parte de seus estudos de pós-doutorado no Instituto para o Estudo do Mundo Antigo da Universidade de Nova York.
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