
Ao longo de milhões de anos, a aranha Dysdera tilosensis (uma espécie exclusiva das Ilhas Canárias) realizou algo impressionante: reduziu o tamanho de seu genoma em quase 50% enquanto se adaptava ao ambiente insular. Apesar dessa significativa diminuição, o genoma deste organismo é não apenas mais compacto, mas também exibe um nível de diversidade genética superior ao das aranhas relacionadas do continente.
Publicada na revista Molecular Biology and Evolution, a pesquisa representa a primeira vez que cientistas documentaram uma espécie animal reduzindo seu genoma em quase 50% durante a colonização de ilhas oceânicas.
Desafiando Suposições Evolutivas Tradicionais
Historicamente, acreditava-se que as espécies que colonizavam ilhas tendiam a desenvolver genomas maiores com mais DNA repetitivo. Essa nova descoberta inverte essa noção e intensifica o debate sobre um dos grandes mistérios da biologia: como e por que o tamanho do genoma muda durante a evolução da vida.
A pesquisa foi liderada por Julio Rozas e Sara Guirao, ambos da Faculdade de Biologia e do Instituto de Pesquisa em Biodiversidade (IRBio) da Universidade de Barcelona. O autor principal do estudo, Vadim Pisarenco (UB-IRBio), colaborou com pesquisadores da Universidade de La Laguna, do Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC) e da Universidade de Neuchâtel, na Suíça.
Cientistas há muito sabem que o tamanho do genoma — o número total de pares de bases de DNA que contêm as instruções genéticas de um organismo — pode variar amplamente entre as espécies, mesmo entre aquelas com complexidade semelhante. Este novo estudo fornece um exemplo notável desse fenômeno e sugere que a evolução pode seguir direções inesperadas.
Um quebra-cabeça Evolutivo nas Ilhas Canárias
As aranhas do gênero Dysdera passaram por uma diversificação surpreendente nas Ilhas Canárias, região frequentemente considerada um laboratório natural para o estudo da evolução em isolamento. Quase 50 espécies endêmicas de Dysdera, cerca de 14% de todas as conhecidas no gênero, evoluíram lá desde que as ilhas surgiram há alguns milhões de anos.
Utilizando ferramentas avançadas de sequenciamento de DNA, os pesquisadores compararam duas espécies intimamente relacionadas: Dysdera catalonica, que habita partes da Catalunha e do sul da França, e D. tilosensis, nativa da ilha de Gran Canária.
“A espécie D. catalonica possui um genoma de 3,3 bilhões de pares de bases (3,3 Gb, as letras do DNA), quase o dobro do que a espécie D. tilosensis (1,7 Gb). Curiosamente, mesmo com um genoma menor, a espécie das Canárias apresenta maior diversidade genética”, explica o professor Julio Rozas, diretor do grupo de pesquisa em Genômica Evolutiva e Bioinformática da Universidade de Barcelona e membro da plataforma Bioinformatics Barcelona (BIB).
Um Caso Raro de Redução Genômica
O sequenciamento genômico também revelou que D. catalonica tem um número de cromossomos haploides de quatro autossomos mais um cromossomo X, enquanto D. tilosensis possui seis autossomos e um cromossomo X.
“A redução do genoma da aranha D. tilosensis, associada ao processo de colonização das Ilhas Canárias, é um dos primeiros casos documentados de drástica redução do genoma com o uso de genomas de referência de alta qualidade”, afirma o professor Julio Rozas, diretor do grupo de Genômica Evolutiva e Bioinformática.
“Esse fenômeno está sendo descrito em detalhes pela primeira vez em espécies animais filogeneticamente próximas”, ele complementa.
Buscando as Causas da Redução Genômica
Em espécies evolutivamente semelhantes, que compartilham habitats e dietas semelhantes, “diferenças no tamanho do genoma não podem ser facilmente atribuídas a fatores ecológicos ou comportamentais”, diz a professora Sara Guirao. “A análise filogenética — continua Guirao — combinada com medições de citometria de fluxo, revela que o ancestral comum possuía um genoma grande (cerca de 3 Gb). Isso indica que a drástica redução do genoma ocorreu durante ou após a chegada nas ilhas.”
Esse resultado é paradoxal por duas razões. Por um lado, embora menos comum em animais, o padrão mais habitual é o aumento do tamanho do genoma por meio de duplicações do genoma inteiro, “especialmente em plantas, onde a aparição de espécies poliploides (com múltiplas dotações cromossômicas) é comum. Em contraste, reduções acentuadas no tamanho do genoma em um período relativamente curto de tempo são muito mais raras”, afirma Guirao.
Em segundo lugar, as descobertas contradizem teorias que afirmam que, em ilhas, o efeito fundador — o processo de colonização por um pequeno número de indivíduos — resulta em uma redução da pressão seletiva e, como consequência, os genomas devem ser maiores e mais ricos em elementos repetitivos.
“Neste estudo, observamos o oposto: espécies insulares têm genomas menores, mais compactos, com maior diversidade genética”, diz o estudante de doutorado Vadim Pisarenco. Esse padrão sugere a presença de mecanismos não adaptativos, “onde populações nas Ilhas Canárias teriam permanecido relativamente numerosas e estáveis por um longo tempo. Isso teria permitido manter uma pressão seletiva forte e, consequentemente, eliminar o DNA desnecessário”, explica Pisarenco.
Esclarecendo os Mistérios Genômicos da Evolução
Permanece incerto por que algumas espécies acumulam grandes quantidades de DNA repetitivo, enquanto outras evoluem para genomas mais enxutos. As descobertas podem ajudar a esclarecer este enigma persistente na biologia evolutiva.
Alguns cientistas sugerem que as mudanças no tamanho do genoma refletem adaptações diretas ao ambiente. Outros argumentam que essas alterações resultam de um equilíbrio entre a acumulação de elementos repetitivos (como transposons) e sua remoção por meio da seleção natural.
“Este estudo apoia a ideia de que, em vez de adaptação direta, o tamanho do genoma nessas espécies depende principalmente de um equilíbrio entre a acumulação e a remoção desse DNA repetitivo”, concluem os pesquisadores.
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