
Cerca de 4,6 bilhões de anos atrás, a Terra era bem diferente do calmo e azul planeta que conhecemos hoje. Impactos contínuos e intensos vindos do espaço mantinham a superfície e o interior do planeta em um estado turbulento e fundido. Grande parte da Terra estava coberta por um oceano global de magma, com temperaturas tão extremas que a água líquida não conseguia existir. O jovem planeta se assemelhava mais a uma fornalha em chamas do que a um lugar capaz de suportar oceanos ou vida.
No entanto, hoje, os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície da Terra. Como a água conseguiu sobreviver à transição desse estado inicial de fusão para um planeta em grande parte sólido tem sido um mistério para os cientistas e tem motivado décadas de pesquisa.
Água Oculta nas Profundezas
Um estudo recente liderado pelo Prof. Zhixue Du do Instituto de Geociências de Guangzhou da Academia Chinesa de Ciências (GIGCAS) oferece uma nova explicação. A equipe descobriu que grandes quantidades de água podem ter sido armazenadas profundamente no manto da Terra enquanto este esfriava e se cristalizava a partir de rocha fundida.
Os resultados, publicados na revista Science em 11 de dezembro, estão mudando a forma como os cientistas pensam sobre o armazenamento de água nas profundezas do planeta. Os pesquisadores demonstraram que a bridgmanita, o mineral mais abundante no manto terrestre, pode funcionar como um “recipiente de água” em escala microscópica. Essa capacidade pode ter permitido que a Terra primitiva aprisionasse quantidades significativas de água abaixo da superfície à medida que o planeta se solidificava.
Segundo a equipe, esse reservatório inicial de água pode ter desempenhado um papel crucial na transformação da Terra de um mundo hostil e incandescente para um capaz de sustentar a vida.
Testando o Armazenamento de Água Sob Condições Extremas
Experimentos anteriores sugeriam que a bridgmanita poderia reter apenas pequenas quantidades de água. No entanto, esses estudos foram realizados a temperaturas relativamente baixas. Para revisitar a questão, os pesquisadores precisaram superar dois desafios principais. Eles precisavam recriar as intensas pressões e temperaturas encontradas a mais de 660 quilômetros abaixo da superfície da Terra, além de detectar traços extremamente pequenos de água em amostras minerais, algumas mais finas do que um décimo da largura de um fio de cabelo e contendo apenas algumas centenas de partes por milhão de água.
Para enfrentar esses desafios, a equipe construiu um sistema de célula de bigorna de diamante combinado com aquecimento a laser e imagem em alta temperatura. Essa configuração personalizada permitiu que eles alcançassem temperaturas de até ~4.100 °C. Reproduzindo as condições do profundo manto e medindo com precisão as temperaturas de equilíbrio, os pesquisadores conseguiram explorar como o calor afeta a capacidade dos minerais de absorver água.
Ferramentas Avançadas Revelam Água Oculta
Utilizando as avançadas instalações analíticas do GIGCAS, os cientistas aplicaram técnicas como difração eletrônica tridimensional criogênica e NanoSIMS. Trabalhando com o Prof. LONG Tao do Instituto de Geologia da Academia Chinesa de Ciências Geológicas, eles também incorporaram tomografia por sonda atômica (APT).
Esses métodos juntos atuaram como “tomografias químicas” de ultra-alta resolução e “espectrômetros de massa” para o mundo microscópico. Essa abordagem permitiu à equipe mapear como a água está distribuída dentro de amostras minúsculas e confirmar que a água está dissolvida estruturalmente dentro da bridgmanita.
Um Manto Profundo Muito Mais Úmido do que se Esperava
Os experimentos revelaram que a capacidade da bridgmanita de aprisionar água, medida por seu coeficiente de partição de água, aumenta rapidamente com temperaturas mais altas. Durante a fase mais quente do oceano de magma da Terra, a bridgmanita recém-formada poderia ter armazenado muito mais água do que os cientistas acreditavam anteriormente. Essa descoberta desafia a suposição de longa data de que o manto inferior é quase completamente seco.
Usando esses resultados, a equipe modelou como o oceano de magma da Terra esfriou e se cristalizou. Suas simulações sugerem que, devido à capacidade da bridgmanita de reter água de forma tão eficiente sob calor extremo, o manto inferior se tornou o maior reservatório de água dentro da Terra sólida após o resfriamento do oceano de magma. O modelo indica que esse reservatório pode ser de cinco a cem vezes maior do que as estimativas anteriores, com volumes de água totais variando de 0,08 a 1 vez o volume dos oceanos atuais.
Como a Água Profunda Moldou a Evolução da Terra
Essa água armazenada nas profundezas não permaneceu simplesmente aprisionada. Em vez disso, agiu como um “lubrificante” para o motor interno da Terra. Ao reduzir o ponto de fusão e a viscosidade das rochas do manto, a água ajudou a impulsionar a circulação interna e o movimento das placas tectônicas, conferindo ao planeta uma energia geológica de longo prazo.
Ao longo de vastos períodos de tempo, parte dessa água foi lentamente devolvida à superfície por meio de atividade vulcânica e magmática. Esse processo contribuiu para a formação da atmosfera e dos oceanos primordiais da Terra. Os pesquisadores sugerem que essa “faísca de água” enterrada pode ter sido um fator determinante na transformação da Terra de um inferno fundido para o planeta azul e amigável à vida que conhecemos hoje.
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