cropped-radiocMadeira-logo-removebg-preview
HomeMadeiraErnâni Rodrigues Lopes – Um Caráter Excepcional

Ernâni Rodrigues Lopes – Um Caráter Excepcional

No dia 10 de setembro, será apresentado em Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa, um livro que explora a trajetória e
Ernâni Rodrigues Lopes – Um Caráter Excepcional

No dia 10 de setembro, será apresentado em Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa, um livro que explora a trajetória e o pensamento de Ernâni Rodrigues Lopes (ERL), marcando os 15 anos desde seu falecimento. Em primeiro lugar, é necessário expressar gratidão aos organizadores dessa valiosa iniciativa. De fato, a vida e a obra de ERL merecem essa homenagem, que visa lembrar e projetar para o futuro — especialmente para as novas gerações — seu pensamento e visão para Portugal e para a Europa. Num país que frequentemente ignora e pouco valoriza seus grandes nomes, essa ação adquire uma relevância ainda maior e merece nossa admiração e reconhecimento.

Ernâni Lopes – Vida e Pensamento é uma publicação da Universidade Católica, coordenada por José Pena do Amaral, Roberto Carneiro, Abraão de Carvalho, Filipe Coelho, José Poças Esteves, Madalena Martins e Sónia Ribeiro, com textos que ele escreveu ao longo de sua vida e alguns depoimentos de colaboradores.

Tive a oportunidade de conviver de forma próxima com ERL nos últimos 23 anos de sua vida e desde cedo percebi que estava diante de uma figura com uma notável estatura moral e intelectual. ERL possuía um conjunto de qualidades excepcionais, que explicam por que foi uma das personalidades mais influentes de Portugal no período pós-25 de Abril de 1974. Sua contribuição para a construção do Portugal contemporâneo esteve não apenas ligada a uma brilhante trajetória no serviço público — tendo sido Diretor do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal (1974), Embaixador em Alemanha Federal (1975/1979), chefe da missão responsável pela negociação da adesão de Portugal à CEE (1979/1983) e Ministro das Finanças e do Plano do Governo do Bloco Central (1983/1985) — mas também à obra e ao pensamento sobre o futuro de Portugal e da Europa que desenvolveu na iniciativa privada e como docente universitário.

Dentre suas qualidades verdadeiramente notáveis, gostaria de ressaltar três:

  • Uma inteligência superior. ERL sobressaía-se por suas capacidades intelectuais. A maneira como integrava em suas análises sobre a economia e a sociedade diversas disciplinas de conhecimento distintas — história, sociologia, psicologia social e comportamental, teoria econômica, ciência política… — e a partir dessas análises multivariadas criava sínteses singularmente claras e inovadoras, evidenciou seu poder analítico e sua visão. Muitas de suas análises prospectivas, frequentemente fundamentadas na criação de múltiplos cenários, tinham um caráter premonitório, como pode ser facilmente constatado na leitura deste livro.
  • Uma ética de trabalho extraordinária. ERL unia suas habilidades intelectuais a uma enorme capacidade de trabalho. Sendo um católico convicto, para ele, o trabalho representava uma forma de santificação. A abordagem que adotava nessa sua ética de trabalho fazia com que os projetos em que se envolvia, os pareceres que elaborava, as inúmeras conferências que proferiu e as incontáveis aulas que deu fossem sempre o resultado de um estudo meticuloso e aprofundado sobre os temas em questão. (ERL costumava dizer que suas sete regras de vida eram estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar)
  • Uma prática fundamentada em um conjunto de valores sólidos e coerentes. Como muitas vezes afirmava, para ERL, tanto a atividade profissional quanto a vida precisavam ter um sentido profundo. Ele encontrou esse sentido na mensagem do Evangelho. De fato, ERL era um católico praticante, tentando guiar sua vida pelo culto das virtudes cardeais (Temperança, Coragem, Prudência e Justiça), equilibradas espiritualmente pelas virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade). Sendo um católico comprometido, ERL aplicou em sua análise da economia e da sociedade os princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja, destacando a promoção do bem comum, o princípio da subsidiariedade e, finalmente, o princípio da solidariedade, voltado para uma distribuição justa da riqueza.

Esse conjunto sólido e inabalável de valores lhe permitiu encarar o serviço público com um verdadeiro espírito de missão e desempenhar sua atividade profissional com um profundo senso de independência e liberdade. Também merece destaque a maneira como ERL viveu de acordo com suas crenças até o fim de sua vida. Nesse âmbito, impressiona a maneira destemida com que lidou com sua doença terminal (pode ser visto em uma entrevista que faz parte do livro) e como, após uma longa batalha, aceitou com dignidade e esperança evangélica o fim de sua vida terrena.

Não é fácil, ao falar sobre ERL, destacar as principais dimensões de seu pensamento e visão para Portugal e a Europa. (A leitura do livro que hoje é lançado ilustra de forma mais detalhada e completa a essência de seu pensamento em suas múltiplas dimensões.) Contudo, gostaria de ressaltar três aspectos fundamentais de sua reflexão:

  1. A adesão à CEE como uma escolha determinante de integração em um quadro político de referência e de um modelo de desenvolvimento económico para Portugal.
  2. A relevância das elites como fator crucial para pensar e construir um país com autonomia estratégica.
  3. Os caminhos de afirmação de Portugal na Europa e no mundo – cinco domínios estratégicos.

1) A adesão à CEE como escolha essencial para integração em um contexto político e para um modelo de desenvolvimento económico em Portugal.

ERL dedicou uma parcela significativa de sua vida a assegurar que Portugal se tornasse um membro pleno da (então) Comunidade Económica Europeia. Desde 1979, ERL liderou em Bruxelas as negociações sobre a adesão de Portugal à CEE. Para ele, a compreensão do significado da adesão só poderia ser completa se considerássemos pelo menos cinco dimensões de análise:

  1. a dimensão histórico-estratégica – com a adesão à CEE, Portugal reconfigurou profundamente sua posição estratégica, substituindo a predominância da vertente atlântica/global pela vertente europeia/continental.
  2. a dimensão sociocultural – a integração no espaço europeu provocou uma ruptura em relação a um determinado contexto social e cultural. Com efeito, a adesão trouxe um efeito de pressão relacionado à vivência em um ambiente internacional com exigências e padrões de comparação que até então eram desconhecidos pela maioria da sociedade portuguesa.
  3. a dimensão político-ideológica – a adesão representou um ponto de virada na afirmação e consolidação de um regime de democracia representativa de tipo ocidental. Assim, a entrada de Portugal na CEE implicou um envolvimento direto e inequívoco no processo de construção europeia que, desde então, evoluiu consideravelmente quer em termos geopolíticos, com a UE se afirmando cada vez mais como um dos principais actores políticos e económicos a nível global, quer no que diz respeito ao aprofundamento institucional.
  4. a dimensão económico-empresarial – a adesão à CEE trouxe uma mudança decisiva na estratégia de desenvolvimento económico e social de Portugal. Nesse sentido, sob a ótica empresarial, a adesão exigiu um processo de adaptação e resposta por parte das empresas portuguesas à pressão de uma concorrência intensa, além de desencadear um aumento significativo nas trocas comerciais entre Portugal e seus parceiros europeus. Assim, não é surpreendente que a adesão tenha potencializado uma forte internalização das empresas portuguesas, um crescimento notável do investimento direto estrangeiro em Portugal, bem como introduzindo um firme incentivo ao aumento da produtividade da estrutura empresarial portuguesa.
  5. a dimensão sistémica – após a adesão, uma questão central, segundo ERL, era qual papel Portugal poderia desempenhar no contexto da União Europeia. Nesse cenário, para que Portugal mantivesse relevância a longo prazo na UE, ERL indicava que deveríamos assegurar a articulação entre os quatro centros fundamentais de nossa geopolítica – Portugal, Europa, África e Brasil.

2) A importância das elites para a afirmação de um país.

ERL tinha uma crença profunda de que a construção do futuro de Portugal necessitava de uma visão a muito longo prazo, pois somente nesse horizonte temporal seria possível delinear, consensualizar e implementar reformas significativas que criassem mais riqueza e promovesse maior coesão social. A oportunidade de pensar e transformar o país de forma profunda, segundo ERL, estava ligada à presença de uma elite dirigente “acima das ações formais da classe política”. Para ele, o que era essencial para o desenvolvimento do país era a existência de uma sociedade civil atuante, qualificada e preparada para discutir e aprofundar as grandes decisões que qualquer nação enfrenta.

Essa visão não desconsiderava a dimensão partidária — elemento central de um sistema democrático — mas permitiria que o país não ficasse refém de políticas públicas condicionadas por lógicas conjunturais que se associam aos ciclos eleitorais. Assim, para ERL, a possibilidade de afirmar Portugal no mundo dependia da capacidade do país de promover uma cidadania responsável orientada para o bem comum. Dentro dessa perspectiva, os profissionais mais qualificados deveriam, além da formação técnica básica, ter uma base ampla de conhecimentos fundamentais para a construção de um futuro coletivo — especialmente uma sólida formação ética que garantisse a coerência entre valores, atitudes e comportamentos, complementada pelo estudo da filosofia, ciência política, sociologia e história económica… Para ERL, esse conjunto de cidadãos mais qualificados — e, portanto, com maior responsabilidade na promoção do Bem Comum — deveria liderar o desenvolvimento das políticas públicas, preparar consensos sobre as reformas necessárias para estimular o crescimento econômico e cultivar uma visão crítica e apartidária que contribuísse para a qualidade do processo decision-making. Para que essa visão se concretizasse, ERL também enfatizava a necessidade de criar think tanks, grupos informais de reflexão e outras iniciativas orgânicas oriundas da sociedade civil, para as quais o apoio dos grupos econômicos seriam muito importantes (nesse sentido, ressalto a Fundação Francisco Manuel dos Santos como um exemplo).

Um dos projetos que nunca conseguiu concretizar, mas que muito valorizava, era a ideia de criar uma Academia de Cidadania, onde fosse possível formar jovens qualificados nas dimensões estruturantes necessárias, permitindo que olhassem para o país e o mundo de forma mais ampla e responsável.

3) Os caminhos de afirmação de Portugal na Europa e no mundo – 5 hyper clusters.

ERL não se limitou às análises macroeconômicas e diagnósticos minuciosos sobre nossa realidade econômica e social. Quis contribuir de forma concreta para identificar setores da economia (domínios estratégicos, como ele os chamava) nos quais acreditava que Portugal possuía fatores de competitividade diferenciados que poderiam acelerar e sustentar seu crescimento econômico. Nesse contexto, nos últimos anos de sua vida, surgiu uma análise setorial aprofundada que levou à identificação de cinco domínios estratégicos, que foram:

  • O Hyper Cluster da Economia do Mar
  • Cidades e Desenvolvimento
  • O Turismo
  • O Ambiente
  • Serviços de Valor Acrescentado (Seniores, Relações Internacionais, Educação/Formação e Saúde)

Em relação a cada um desses domínios estratégicos, ERL aprofundou não apenas as razões que justificavam sua capacidade distinta de afirmação no contexto da globalização, mas também identificou novas propostas de valor e modelos de negócios para cada um deles. Dentre esses, merece destaque a forma profunda e inovadora com que abordou o tema do hyper cluster do mar. ERL atentou para o potencial econômico de nossa zona econômica exclusiva — que se estende por mais de 1,7 milhões de quilômetros quadrados, tornando-se a quinta maior da Europa. Em seu estudo sobre a economia do mar, além de identificar oportunidades associadas às atividades clássicas do mar como a pesca, aquicultura, transporte marítimo e portos ou construção naval, ERL também descobriu novas oportunidades como a exploração de energias renováveis marinhas (eólica, ondas e marés), biotecnologia marinha, extração de recursos minerais submarinos ou gestão dos recursos hídricos marinhos. Isso é um exemplo claro de que, a partir de uma análise macroestratégica, é possível desenvolver uma abordagem inovadora em um domínio estratégico, colocando-o na pauta econômica e empresarial. Passados mais de 20 anos desde que ERL apresentou publicamente sua visão sobre o Hyper Cluster do Mar, é inegável o progresso realizado em Portugal na exploração dessas oportunidades, existindo hoje um amplo consenso nacional sobre o enorme potencial de desenvolvimento da economia portuguesa relacionado à exploração das múltiplas dimensões da economia do mar dentro de nossa zona econômica exclusiva.

Acredito que, quinze anos após sua partida, a melhor maneira de ERL gostaria de ser lembrado — especialmente pelas novas gerações — não seria apenas pela evocação detalhada de tudo o que fez por Portugal em momentos decisivos de nossa história recente (embora ele naturalmente sentisse muito orgulho disso), mas sim pela sua incessante busca de pensar o futuro de Portugal com um horizonte temporal amplo, fundamentado em valores sólidos e duradouros e centrado nas questões essenciais — que vão muito além da dimensão econômica — da nossa existência coletiva.

Esse é o seu maior legado — demonstrar que é possível amar e construir Portugal sem recorrer a slogans demagógicos e vazios de significado ou a promessas ilusórias, frequentemente feitas em períodos de eleições, mas sim por meio da busca de caminhos, com muito trabalho e perseverança, que possibilitem um crescimento sustentável e assegurem igualdade de oportunidades. Que este livro, especialmente o pensamento e a atitude perante a vida de ERL (baseada na trilogia compreender/assumir/agir) possa nos inspirar a assumir uma cidadania responsável e ativa dentro de um esforço contínuo pela afirmação de Portugal na Europa e no mundo.

Um Portugal a ser moldado pela combinação de competitividade e solidariedade, pois como ERL me disse uma vez de maneira contundente: “Uma economia (entenda-se Portugal) sem competitividade não consegue sobreviver, uma economia sem solidariedade não faz sentido”.

Logo (3)

Todas as manchetes e destaques do dia do radiocMadeira.pt, entregues diretamente para você. Change the color of the background to the green indicated previously and make it occupy all the screen widely.

© 2025 radiocmadeira. Todos os direitos reservados

radiocMadeira.pt
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.