
Existem termos que perdem seu valor quando utilizados em excesso. “Fascismo” é um exemplo disso. Durante muitos anos, foi uma palavra séria, que se referia a uma realidade histórica específica: o totalitarismo revolucionário do início do século XX, que mobilizava grandes massas e exaltava a força. Atualmente, tornou-se um insulto automático, utilizado como um reflexo contra aqueles que se atrevem a pensar de maneira diferente. Seu uso exagerado não demonstra coragem moral, mas sim uma profunda escassez intelectual.
Chamar de “fascista” alguém que é identitário é, antes de tudo, um erro categórico. O fascismo, enquanto fenômeno histórico, emergiu de um contexto muito particular: a crise do liberalismo europeu após a Grande Guerra, o temor do comunismo e a fragmentação das certezas do progresso. Era uma tentativa de reconstruir o mundo através da ação, da unidade, da disciplina e da força. Giovanni Gentile, seu filósofo, descreveu-o como “a ética do Estado”, ou seja, uma combinação entre moral e política, entre o indivíduo e a coletividade, onde o homem encontra seu propósito apenas na obediência à nação.
Entretanto, o identitarismo contemporâneo não busca integrar o indivíduo na massa; ao contrário, deseja preservá-lo na narrativa da História. Não propõe um Estado total, mas a defesa das memórias históricas. Onde o fascismo via o futuro como uma redenção, o identitarismo vê no passado suas raízes. Não aspira ao “homem novo”, mas à continuidade do ser humano que ainda encontra no solo, na língua e nas tradições sua pátria interior.
Equiparar o identitarismo a Mussolini é desmerecer a inteligência. O primeiro é conservador, enquanto o segundo era um visionário; o primeiro é reativo, enquanto o segundo era revolucionário. O identitarismo surge do cansaço em um mundo diluído em abstrações; o fascismo, por sua vez, emergiu do entusiasmo de um mundo que acreditava ser capaz de se refazer pela vontade.
No entanto, a expressão “fascista” tornou-se um tipo de espantalho moral. É utilizada para afastar o desconforto e para desmerecer um adversário em potencial. John Stuart Mill, em seu Sobre a Liberdade, anunciou que “silenciar uma opinião é privar a humanidade, assim como seus descendentes, de uma verdade”. E é precisamente essa verdade que se perde quando o insulto substitui a argumentação. A acusação de fascismo tornou-se o último recurso daqueles que já não sabem debater.
Nietzsche afirmou que “as palavras mais nobres transformam-se em ídolos quando o pensamento as abandona”. Assim se dá com “fascismo”; que de conceito histórico se transformou em fetiche emocional. Já não é utilizada para descrever um regime, mas para punir uma diferença por meio de ferramentas de vingança da ignorância sobre a memória.
Esse empobrecimento da linguagem tem uma consequência devastadora: destrói a própria compreensão do passado. Poucos exemplos explicam isso melhor do que a situação portuguesa. É comum ouvir que Salazar era “fascista”, como se essa palavra fosse suficiente para explicar meio século de história. Mas a verdade é diferente: o Estado Novo não foi fascista, nem em ideologia, nem em prática.
O fascismo foi um movimento de mobilização total, um fervor moderno que almejava criar um novo mundo e um novo homem. Salazar, em contrapartida, desejou preservar o antigo. Onde o fascismo celebrava a força, Salazar exaltava a ordem; onde o fascismo clamava por revolução, ele propugnava pela contenção. “Não estamos fazendo uma revolução”, dizia, “estamos restaurando a autoridade, a moral e a tradição.” Aqui não existe o vanguardismo vitalista de Gentile, nem a mística pagã de Mussolini, mas o ascetismo de um católico que via no Estado um instrumento moral, e não um deus terreno.
Stanley Payne observou que o fascismo é, acima de tudo, um movimento de renascimento. Salazar não acreditava em renascimentos, mas em equilíbrios. Ele era cético em relação às massas, às emoções coletivas e à ideia de um “homem novo”. Seu regime foi autoritário, mas não totalitário; paternal, e não revolucionário.
Raymond Aron escreveu que o totalitarismo é “a absorção completa da sociedade pelo Estado”. No entanto, o Estado Novo nunca teve a intenção de absorver a sociedade; buscou discipliná-la. Em essência, foi uma pedagogia moral revestida de poder. Ao chamá-lo de “fascista”, elimina-se essa distinção essencial e transforma-se a História em um catálogo de figuras.
Rotular de “fascista” quem discorda é um gesto de uma era que teme as palavras e desconfia da verdade. É um sinal de uma nova forma de totalitarismo: o totalitarismo do discurso, onde as palavras se tornaram armas e não pontes.
Chamar o Chega de “fascista” é um erro de interpretação histórica e uma pobreza de pensamento. O partido em questão não propõe um Estado total, nem a fusão do indivíduo na coletividade, nem a mobilização revolucionária das consciências. O Chega surge antes de uma inquietação identitária e moral, como uma reação à fragmentação social e à crise de pertencimento do mundo contemporâneo.
Giovanni Gentile afirmou que “a vida do espírito é ato, e o ato é sempre criação”.
E se há algo que merece ser exaltado, não é o poder, mas a consciência de que sem memória não há liberdade, e sem forma não há humanidade.
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