
Nas últimas décadas, tem-se discutido intensamente a modernização do Estado, a digitalização de serviços públicos e a inovação tecnológica como agentes de transformação estrutural. No entanto, ainda enfrentamos obstáculos bem conhecidos: desde os rígidos processos de contratação até à falta de uma visão estratégica coesa.
A realidade é que as distinções entre os setores público e privado, no que diz respeito aos desafios tecnológicos, não são tão significativas. Ambos têm dificuldade em acompanhar o acelerado ritmo da inovação. Ambos lidam com uma alfabetização digital desigual. Ambos buscam fazer mais com menos: menos tempo, menos recursos e menos margem para falhar.
Um dos principais impedimentos à inovação no setor público reside na maneira como as soluções são contratadas. Quando a avaliação é quase exclusivamente baseada no preço, comprometemos qualidade, experiência e, principalmente, o real impacto do projeto. O resultado? Soluções são adquiridas com obsolescência programada, antes mesmo de serem implementadas.
Atualmente, com ferramentas como a Inteligência Artificial Generativa (GenAI), é simples fazer algo parecer inovador. Criar um assistente que ajude a agendar férias? Rápido e fácil. Mas isso realmente provoca mudanças estruturais em uma organização? Provavelmente não.
A distinção entre quick wins e transformação estrutural é mais do que uma questão de palavras: é uma questão de estratégia. Precisamos de líderes que consigam identificar os casos de uso adequados, que pensem em um roadmap a longo prazo e que resistam à tentação de projetos que impressionam na apresentação, mas falham na execução.
E é aqui que entra a importância da capacitação. Não apenas no aspecto técnico, mas, novamente, no aspecto estratégico. A falta de competências nas organizações que estão implementando projetos com recursos do PRR, por exemplo, é evidente. Muitas não estão preparadas para definir, liderar ou até avaliar projetos estruturantes. Não se trata apenas de escolher a ferramenta ideal, mas de entender sua finalidade, como escalar seu uso e como mensurar seu impacto.
Uma ideia persistente é que a Inteligência Artificial Generativa está democratizando o acesso a habilidades extraordinárias. Contudo, também está reduzindo perigosamente o padrão de qualidade. Porque executar algo com IA é atualmente simples. Fazer bem exige conhecimento, experiência e visão.
Temos visto várias empresas lançarem projetos baseados em demonstrações atraentes, que subsequentemente não escalam, não geram valor ou, pior, desacreditam a tecnologia junto das equipes. A execução apressada não apenas desperdiça recursos, mas também gera uma cultura de desconfiança em relação à inovação.
Este é um risco real, especialmente em um contexto onde qualquer fornecedor afirma “fazer IA”. Não é suficiente ter um modelo que gera código. Necessitamos saber como operacionalizar, integrar e garantir a confiabilidade. A diferença entre uma demonstração e um sistema robusto é o que separa a euforia do impacto real.
Há um caminho a seguir. Existem boas ideias, tanto no setor público quanto no privado. Mas é crucial agir com clareza. A transformação digital deve começar com uma visão estratégica bem definida: cada projeto deve responder a perguntas essenciais – qual é sua finalidade, qual é o impacto esperado e como se alinha ao plano mais amplo da organização. Sem essa base, qualquer iniciativa corre o risco de ser apenas mais uma ferramenta isolada que não gera valor verdadeiro.
Em seguida, é fundamental assegurar uma liderança capacitada. A vontade de mudar sozinha não é suficiente. Precisamos de líderes que entendam as possibilidades e limitações da tecnologia, que saibam engajar equipes e se manter focados no impacto, além de estarem prontos para tomar decisões informadas mesmo em cenários de incerteza.
Por fim, é necessário reavaliar a forma como fazemos investimentos. A contratação pública precisa encontrar um equilíbrio entre proteger os recursos e permitir escolhas baseadas na qualidade, experiência e valor a longo prazo. Atualmente, frequentemente seguimos a rota mais fácil, como decisões baseadas apenas no preço, mas isso pode acarretar um alto custo: projetos ruins, execução insatisfatória e desperdício de recursos.
A transformação digital, seja no setor público ou nas empresas, não é uma corrida de velocidade. Trata-se de um processo de aprendizado contínuo, onde o equilíbrio entre ambição e realismo, entre agilidade e robustez, faz toda a diferença.
Se desejamos resultados diferentes, precisamos fazer escolhas diferentes. E, acima de tudo, não podemos desistir na primeira tentativa frustrada. É assim que se constrói capacidade. É assim que se realiza transformação.
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