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O Chamado do Vazio e a Comédia da Manipulação Política

Os franceses referem-se a isso como l’appel du vide (o chamado do vazio). Edgar Allan Poe, com seu estilo gótico
<p>“O Chamado do Vazio e a Comédia da Manipulação Política”</p>

Os franceses referem-se a isso como l’appel du vide (o chamado do vazio). Edgar Allan Poe, com seu estilo gótico inconfundível, o nomeou de “O Diabinho do Perverso”. Trata-se daquela vontade irracional, eletrizante e aterradora de realizar algo terrível simplesmente por realizar. É aquele impulso súbito de rir em um funeral, de perturbar a paz apenas porque o silêncio tornou-se ensurdecedor.

Com frequência, encaramos esses pensamentos intrusivos como falhas pessoais. Porém, ao serem levados para a esfera pública em Portugal, eles deixam de ser “falhas” para se tornarem “estratégia”.

Portugal enfrenta, hoje, um paradoxo sufocante. Estatisticamente, somos um dos países mais seguros e tranquilos do mundo. Não enfrentamos guerras nas fronteiras, não contamos com violência urbana generalizada, temos um clima ameno e costumes suaves. No entanto, ao adentrar nosso espaço público, do Parlamento ao X (anteriormente Twitter), passando pelas seções de comentários, a realidade é de terra queimada. O ambiente é irrespirável, o discurso é tóxico, e a autofagia é constante.

Por que isso ocorre? Porque o “Diabinho do Perverso” em Portugal deixou de sussurrar individualmente para se transformar em um megafone nas mãos de nossos líderes.

É essencial, e intelectualmente honesto, não responsabilizar apenas o “povo” ou a “cultura”. O cidadão português pode abrigar dentro de si um “Velho do Restelo”, crítico e pessimista, mas são os atores políticos que hoje cultivam o monstro. Existe uma percepção clara, nas sedes partidárias e nos escritórios de comunicação, de que a harmonia é politicamente estéril. A paz não gera cliques. O consenso não mobiliza as bases. A moderação não atrai atenção em telejornais.

A antiga máxima imperial britânica, divide et impera (dividir para reinar), foi modernizada na era digital portuguesa: polarizar para sobreviver.

Nossos líderes perceberam que a maneira mais eficaz de manter o poder não é elevar o debate, mas sim acionar o “apelo do vazio” no eleitorado. Quando alguém se destaca, seja um empreendedor de sucesso, um CEO eficiente, um artista renomado ou um projeto reformista, a maquinaria política não reconhece; ela transforma em alvo. O sucesso dos outros é encarado como uma ofensa pessoal ao cidadão comum.

O político astuto, atualmente, é aquele que sussurra ao eleitor: “Vês aquele que triunfou? Ele não é melhor que você. Ele te roubou algo. Vamos derrubá-lo.”
E aqui reside a perversidade: mesmo que a conquista dessa pessoa beneficie a comunidade ou o país, se ela não se alinhar com a ideologia vigente, se não obedecer à “narrativa” do grupo, torna-se um alvo a ser destruído. O mérito se torna irrelevante; o que conta é a lealdade ao dogma. Criam-se “alvos perfeitos” para o linchamento coletivo, ignorando os fatos em prol do espetáculo destrutivo.

O recente exemplo do Ministro da Educação ilustra essa dinâmica de forma exemplar.

Gerou-se um tumulto artificial, um verdadeiro case study de má-fé política, em torno de suas declarações. O que o Ministro afirmou, em uma análise sociológica clara, foi que o abandono dos serviços públicos pela classe média priva esses serviços de sua “voz mais forte”. Ele disse o óbvio: a classe média, por seu capital cultural e cívico, tem historicamente funcionado como um motor de reivindicação e supervisão. Sem essa pressão exigente da classe média, os serviços tendem a se deteriorar no silêncio, afetando principalmente os mais pobres, que ficam sem quem exija qualidade ao seu lado.

Não houve desprezo pelos menos favorecidos, nem qualquer insinuação de vandalismo ou desrespeito por parte de quem tem menos recursos. O que houve, na verdade, foi a constatação de que a diversidade social é fundamental para a exigência política na manutenção dos serviços.

Mas o que fizeram os “Diabinhos do Perverso” da nossa política? Recortaram vídeos, tiraram frases de contexto e fabricaram um mal-entendido intencional. Deturparam as palavras para criar a narrativa do “elitista contra o povo”.

Não lhes interessava discutir o real problema; o que interessava era o prazer perverso de queimar um ministro em praça pública, polarizando a sociedade entre “eles” e “nós”. É a política do terraplanismo interpretativo: ignoram-se as declarações completas e racionais para vender a versão curta e incendiária que alimenta o ódio.

Essa gestão do ressentimento é a ferramenta ideal para quem não possui um propósito. Se um governo ou oposição não conseguem apresentar crescimento, riqueza ou um futuro, oferecem, em contrapartida, a cabeça de alguém em uma bandeja, validando a ideia de que destruir a reputação alheia é um substituto aceitável para o próprio sucesso.

Engendramos guerras civis retóricas porque não temos guerras reais. Inventamos inimigos internos, “os ricos”, “os dependentes de subsídios”, “os fascistas”, “os wokes”, com uma ferocidade que seria cômica se não fosse trágica. E quem rege essa orquestra? Líderes que, na falta de liderança de verdade, optam pelo tribalismo.

O custo disso é mensurável. O silêncio reflexivo desapareceu, expulso pela gritaria polarizada. A capacidade de escutar profundamente foi substituída pela urgência de cancelar. O progresso é parado não pela falta de recursos, mas pelo excesso de “destruição”.

Edgar Allan Poe advertiu que o Diabinho muitas vezes acaba por vencer, levando o indivíduo a confessar o crime ou a saltar do abismo. Em Portugal, o abismo é a estagnação. E nossos líderes, ao invés de erigir barreiras de segurança, estão ocupados vendendo ingressos para o salto, convencendo-nos de que a queda é, na verdade, um ato de justiça social.

A insuportável leveza de nossa paz transformou-se em um campo de batalha onde apenas a mediocridade sobrevive. Porque a mediocridade não ofende ninguém, e o “Diabinho” só ataca o que brilha.

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