
As sociedades de formigas são fundamentadas em odores. Feromônios orientam os insetos em busca de alimento, alertam sobre predadores e regulam os ciclos de suas colônias. Esse sistema de comunicação química é guiado por uma regra simples: um receptor, um neurônio. Os genomas das formigas contêm centenas de genes de receptores de odorantes, cada um codificando um receptor sensível a químicos específicos. Se um neurônio expressasse múltiplos receptores simultaneamente, as mensagens que chegariam ao cérebro seriam embaralhadas, e a formiga perderia seu sentido de olfato altamente refinado.
Cientistas que estudam a formiga raider clonal descobriram o processo exclusivo pelo qual cada neurônio seleciona um único receptor de odorante dentre uma vasta biblioteca de genes. As descobertas, publicadas na revista Current Biology, esclarecem o mistério de como as formigas mantêm os sinais sensoriais claros.
“Estamos descrevendo uma nova forma de regulação gênica”, afirma Daniel Kronauer, chefe do Laboratório de Evolução Social e Comportamento do Rockefeller. “Nossos resultados demonstram a importância de estudar espécies modelo menos convencionais. Conseguimos descobrir novos fenômenos moleculares fundamentais nas formigas raiders clonais que não teríamos identificado em drosófilas.”
Um receptor, um neurônio
Um princípio central do olfato é que cada neurônio deve ter sua própria identidade molecular. “É uma espécie de dogma no campo da neurociência sensorial”, diz Giacomo Glotzer, estudante de doutorado no laboratório de Kronauer. “Cada neurônio sensorial geralmente expressa um receptor — e isso lhe confere sua identidade.”
Diferentes espécies resolvem o enigma “um receptor, um neurônio” de maneiras distintas. As drosófilas dependem de interruptores moleculares que ativam ou desativam genes individuais, garantindo que apenas um receptor se originasse de cada neurônio sensorial. Os mamíferos adotam uma abordagem mais caótica, com cada neurônio reordenando aleatoriamente sua cromatina até que somente um gene receptor permaneça acessível.
No entanto, não se sabia se as formigas utilizavam uma estratégia mais semelhante à da mosca ou do rato, ou uma abordagem totalmente diferente. Ao contrário das drosófilas, que possuem cerca de 60 receptores de odorantes, as formigas apresentam várias centenas — comparáveis em escala à dos mamíferos. E muitos de seus receptores estão agrupados em clusters de genes quase idênticos. Em um espaço tão congestionado, ativar um gene poderia acidentalmente ativar outros. Uma estratégia simples como a das drosófilas pode não ser eficaz para o complexo sentido olfativo das formigas, sugerindo que elas mantêm a proporção 1:1 de forma diferente.
Com base em um artigo foundational sobre o assunto que a equipe publicara em 2023, o laboratório procurou capturar esse mecanismo evasivo em ação. Após dissecar os tecidos antenais das formigas raider clonais, a equipe utilizou sequenciamento de RNA para determinar quais genes estavam ativados e hibridização in situ de fluorescência de RNA para localizar esses genes na antena da formiga. Em seguida, empregaram diversas técnicas moleculares e computacionais de ponta para criar uma imagem clara de um receptor selecionado cercado por seus vizinhos silenciados.
Foi constatado que, quando um neurônio de formiga ativa seu gene receptor escolhido, não para por aí. A RNA polimerase — a maquinaria que copia o DNA em RNA — continua além do ponto normal desse gene, se estendendo para os genes que residem a jusante do alvo. Essas transcrições de “leitura contínua” permanecem presas no núcleo, provavelmente porque carecem da etiqueta única exigida para exportação. Os autores especulam que essas transcrições são não funcionais, mas que sua própria produção é o que silencia os genes a jusante. Ao mesmo tempo, o neurônio gera RNAs de “antisense” na outra direção. A polimerase, neste caso, atua como um bloqueio para silenciar genes a montante que de outro modo poderiam ser ativados.
O resultado é uma barreira genética protetora em torno do gene receptor escolhido.
“Quando desmontamos o mecanismo e o analisamos em suas partes constitutivas, descobrimos que essa estratégia serve para silenciar o ambiente genômico local, conferindo a essa célula sua identidade singular de receptor”, diz Parviz Daniel Hejazi Pastor, um bolsista de biomedicina no laboratório de Kronauer. “Nossas descobertas giram em torno da interferência transcricional — que o neurônio escolhe um receptor evitando a verdadeira transcrição de outros receptores, tanto a montante quanto a jusante.”
Além das formigas raider clonais
A equipe confirmou que esse mesmo mecanismo também está presente em outros insetos sociais, como a formiga puladora indiana e a abelha melífera. Essas descobertas levantam a possibilidade de que muitos insetos, tanto sociais quanto não sociais, utilizem a interferência transcricional para manter uma relação 1:1 entre receptores e neurônios. “Esse mecanismo pode ser ainda mais amplamente distribuído do que pensávamos, particularmente entre espécies de insetos com grandes repertórios de genes de receptores olfativos”, diz Kronauer. “É até possível que as drosófilas sejam as exceções.”
As implicações vão além do olfato dos insetos. Ao mostrar que grupos compactos de genes relacionados podem ser controlados por salvaguardas bilaterais — a leitura contínua que silencia os vizinhos a jusante e a transcrição de antisense que bloqueia os a montante — esse trabalho oferece um modelo de como os genomas podem controlar grandes famílias de genes. Os resultados também sugerem um mecanismo potencial para explicar como as formigas rapidamente ampliam seu sentido de olfato em um curto espaço evolutivo de tempo. As descobertas descritas neste artigo podem permitir que genes receptores recém-duplicados sejam integrados a um sistema sensorial sem a necessidade de coevoluir mecanismos regulatórios adicionais.
“Uma vez que você tem o sistema em funcionamento assim, pode permitir que ele se torne mais complexo sem interromper nada”, afirma Kronauer. “Especulamos que esse tipo de sistema de regulação gênica contribui para que as formigas evoluam novos receptores olfativos tão rapidamente.”
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