cropped-radiocMadeira-logo-removebg-preview
HomeMadeiraOdair, 2.ª audiência de avaliação. Declarações contradizem uso de punhal e afirmam ter observado policiais da PSP “interferindo na mochila”.

Odair, 2.ª audiência de avaliação. Declarações contradizem uso de punhal e afirmam ter observado policiais da PSP “interferindo na mochila”.

Duas testemunhas, um tio e um sobrinho, foram ouvidos nesta quarta-feira no tribunal durante a segunda fase do julgamento do
Odair, 2.ª audiência de avaliação. Declarações contradizem uso de punhal e afirmam ter observado policiais da PSP “interferindo na mochila”.

Duas testemunhas, um tio e um sobrinho, foram ouvidos nesta quarta-feira no tribunal durante a segunda fase do julgamento do policial da PSP acusado de assassinar Odair Moniz em outubro de 2024. O primeiro depôs com firmeza que a vítima não portava faca, mas foi intensamente questionado pelo advogado do réu, levando o juiz a adverti-lo com um possível processo por falso testemunho. Em seguida, a última testemunha presente nesta audiência afirmou ter visto os policiais manipular a bolsa. “Observei quando retiraram a bolsa e a colocaram de volta”.

Uma semana após uma audiência marcada pelo relato emotivo do agente Bruno Pinto e pela viúva de Odair, o julgamento prosseguiu com a oitiva dessas duas testemunhas — outras foram dispensadas devido ao tempo que Evandro e Fábio tomaram. O mais novo, Evandro, declarou que era “amigo” de Odair e, sob juramento, respondeu às perguntas do promotor, dos juízes e dos advogados.

Horas antes da cena se desenrolar diante dele, Evandro encontrou-se com Odair. “Nos encontramos no início da tarde e estive com ele cerca de duas, três horas depois, por volta das 22h, 23h…”. Ele confirmou que consumiram “uma ou outra cerveja” na primeira vez que estiveram juntos. Depois disso, esteve com Odair “até o que aconteceu, momentos antes de ele passar por mim no carro”. Apesar de ter uma ligação com a família de Odair, não a informou imediatamente sobre o incidente. “Mas se estava próximo…”, lembrou a juíza auxiliar Ana Tânia Correia. “Não tinha o contato. Avisei meu irmão que acabou por informar o filho [de Odair]”.

Voltando àquela noite, Evandro recordou que estava na Cova da Moura quando avistou o veículo de Odair passar. Atrás dele, seguia um “carro da polícia”. “Escutamos alguns estrondos e descemos a rua”, relatou, mencionando que estava acompanhado de outras pessoas, incluindo seu tio. “Assim que Odair saiu do carro, encostou-se na parte traseira do veículo e levantou os braços. Neste momento, os dois agentes se aproximaram tentando derrubá-lo, mas não conseguiram”.

Ele afirmou que ouviu os policiais gritando enquanto ainda estavam distantes de Odair. “Só depois se aproximaram” e tentaram “derrubá-lo”. “Odair, com os braços levantados, tentava se afastar”. Conforme a confusão continuava, segundo o relato de Evandro, os dois agentes e o cozinheiro de 43 anos foram subindo a rua.

Evandro prosseguiu com seu relato, confirmando que, embora Odair não tivesse tentado fugir, ele buscava “afastar os agentes”, mostrando resistência à prisão. “Eles tentaram segurá-lo e ele estava se debatendo tentando se livrar dos policiais”, respondeu ao procurador. Pedro Lopes Pereira chegou a perguntar se a testemunha ouvira “mais tiros”, além dos dois disparados em direção a Odair. “Ao meu redor, não houve tiros de aviso”, esclareceu.

Disse que ouviu apenas os disparos direcionados a Odair, que estava “com um agente à direita e outro à esquerda”. “E Odair estava segurando algo nas mãos?”, questionou novamente o procurador. “Não”, respondeu Evandro, que lembrou que entre os dois tiros não passaram mais de cinco segundos.

Com gestos, a testemunha descreveu que viu Bruno Pinto atirar assim que retirou a arma do coldre, apontando para baixo. O primeiro tiro não fez Odair reagir, mas após o segundo, ele acabou caindo. “Deu dois ou três passos e caiu de costas”.

O momento mais tenso desta audiência aconteceu na parte final das declarações de Evandro, quando foi interpelado pelo advogado Ricardo Serrano Vieira, que defende o agente Bruno Pinto. Questionado, ele afirmou que estava acompanhado de “algumas pessoas”, mas não conseguiu especificar quantas. Também reiterou, com gestos, que o disparo da polícia foi “para baixo”. O advogado pediu que a testemunha fosse mais específica, tentando determinar se o tiro tinha sido em direção aos pés, joelho ou cintura, mas Evandro manteve sua resposta: “para baixo”.

Diante disso, Ricardo Serrano Vieira apresentou dois requerimentos distintos para confrontar as declarações do réu com o que ele havia dito à Polícia Judiciária, apontando uma “contradição”. “Gostaríamos que a testemunha fosse confrontada com fotos e vídeos”. Ouviu-se então Evandro, quando foi interrogado pela PJ, afirmar que o tiro tinha sido “para os pés” e que “cerca de 20 pessoas estavam assistindo”. As imagens das câmeras de segurança que foram analisadas parecem contradizer a versão da testemunha quanto à sua localização durante os acontecimentos. “Eles subiram a rua, e eu fiquei a cinco metros. Estava em frente, do outro lado da rua. Ali, ouvi alguém dizendo para eu me afastar”.

Para comprovar o que foi dito, os juízes solicitaram que imagens do Google Maps fossem exibidas nas telas da sala. Carlos Camacho, um dos juízes auxiliares, insinuou que Evandro talvez não tivesse uma boa perspectiva do local. “Como consegue ver o carro de Odair?”, questionou. “Da onde estava, eu via”, respondeu.

Ele disse que correu para conferir o que estava acontecendo. De forma irônica, Carlos Camacho respondeu que Evandro deveria ser mais veloz que Usain Bolt, ao afirmar que percorreu cerca de 175 metros em poucos segundos. Com novas imagens exibidas, Evandro passou a admitir que Odair poderia ter dado chutes nos agentes, contrariamente ao que dissera antes, quando mencionou apenas os chutadores sendo os policiais. Os juízes tentaram determinar se o movimento dos agentes era realmente um chute ou uma tentativa de afastar Odair. “O senhor fala como se os policiais fossem especialistas em artes marciais”, disse o juiz, que também insinuou a possibilidade de um processo por falso testemunho.

Evandro ainda alegou que não viu nenhum policial se agachar no momento dos disparos — algo que o agente Rui Machado descreveu na primeira audiência. Quando Carlos Camacho destacou o paradoxo nas alegações de Evandro — que mencionou uma “perseguição policial em velocidade normal” —, a sala de audiência riu, e, após olhar para a plateia, o juiz comentou: “mais uma vez, comentários ao fundo…”, fazendo referência ao momento da primeira sessão em que as pessoas presentes riem do crioulo do magistrado.

Após Evandro, foi a vez de seu tio depor no tribunal. Fábio estava próximo de seu sobrinho quando os eventos que levaram à morte de Odair ocorreram, reconhecendo que não era “amigo” dele, mas um “conhecido”. Seu relato sobre a perseguição foi similar ao do sobrinho, mas Fábio afirmou que os veículos estavam em “alta velocidade”. “Escutei barulhos, sons de impacto. Pensei que o carro tinha capotado”. Evandro reagiu rapidamente ao estrondo e “correu”. “Quando cheguei, já estavam os policiais tentando imobilizar Odair. (…) Vi os agentes com Odair, e os policiais pedindo ‘para o chão, para o chão’”.

Mais perto da cena, ele buscou abrigo no “quintal” da casa de um morador. Tinha boa visão dos dois carros, recordou. “Vi os agentes tentando imobilizar Odair. Eles pediam ‘para o chão, para o chão’. Subiram um pouco até a viatura, e foi nesse momento que o agente atirou”.

Assim como o sobrinho tinha relatado anteriormente no tribunal, confirmou não ter ouvido disparos de aviso. Enquanto os policiais tentavam algemar Odair, lembrou Fábio, ele “oferecia um pouco de resistência”. “Ele fez algum gesto para evitar ser algemado?”, questionou o procurador. “Sim, o que é normal”.

“O normal, num estado de direito, é uma força de segurança dar uma ordem e um cidadão obedecer”, corrigiu o procurador. “Há modos de abordar”, justificou Fábio, sendo interrompido pela juíza, que tentava focar as declarações nos fatos essenciais.

Sobre os disparos direcionados a Odair, ele comentou que o primeiro foi realizado em uma posição que não lhe parecia “uma posição para atirar”. Enquanto falava, ele demonstrou que Bruno Pinto tinha a arma apontada para baixo e presa ao corpo. “No segundo disparo, ele já estava com os braços estendidos”.

Quando confrontado pelo advogado da família de Odair, Fábio declarou que a vítima carregava uma “bolsa preta”. Essa bolsa desapareceu após os dois disparos. “A bolsa foi colocada perto da roda de um carro por um agente”, referiu, explicando que não era nenhum dos dois policiais inicialmente envolvidos na perseguição. Contudo, um dos agentes dessa dupla, anteriormente, “mexeu na bolsa”. “Quando [Odair] estava no chão, ainda estavam mexendo na bolsa. (…) Vi quando tiraram a bolsa e a colocaram de volta”. O que foi feito com a bolsa? A testemunha afirmou não saber.

Durante os confrontos, lembrou que nunca viu Odair levar a mão à bolsa. “Sei que ele estava com as mãos levantadas” até levar o primeiro tiro. Depois, “ficou imóvel” e caiu assim que recebeu o segundo tiro.

Recordou os vários insultos dirigidos aos policiais. “Filhos da puta, coisas assim”. Um “bate boca” normal em momentos de “revolta”, descreveu. Mas nunca notou que a multidão — “cerca de sete, dez pessoas” — estava obstruindo a ação das autoridades.

Antes de encerrar o depoimento de Fábio e a segunda sessão, perguntaram-lhe se se lembrava de algo anômalo que tivesse ocorrido após a morte de Odair e que desejasse relatar. Ele apenas recordou que viu um agente da polícia “careca, com barba”, pedindo a um popular para não gravar e retirando o celular de suas mãos.

A juíza suspendeu a sessão às 13h, dispensando várias testemunhas que deveriam ter sido ouvidas neste dia. O julgamento terá continuidade na manhã de 10 de novembro, com outra audiência agendada para 17 de dezembro. A juíza acredita que esse cronograma “deve ser suficiente” para o andamento dos trabalhos.

Uma semana após a primeira audiência, o Tribunal de Sintra voltou a receber o julgamento do policial da PSP acusado de matar Odair Moniz durante uma perseguição que culminou no bairro da Cova da Moura, na Amadora, Lisboa, em 21 de outubro de 2024. A primeira sessão foi marcada por discursos emocionantes, tanto do policial Bruno Pinto (único réu), quanto de Ana Patrícia Moniz, viúva do cozinheiro que foi baleado duas vezes pela PSP.

O policial foi o primeiro a se manifestar no tribunal e, após “pedir desculpas à família e amigos”, descreveu sua versão sobre os eventos daquela madrugada. Para ele, Odair demonstrou uma “atitude astuta” durante a confrontação com os dois policiais e nunca seguiu suas ordens: razão pela qual descreveu ter sentido temor, o que justificou a utilização da arma de fogo. Após disparar duas vezes para o ar, ele apontou para Odair, mas, ao apertar o gatilho, não teve certeza de ter acertado, o que o levou a disparar novamente, resultando na morte do cidadão.

Com o policial fora da sala, Ana Patrícia relembrou a última vez que viu seu marido. Odair lhe disse que sairia, mas retornaria. A mulher esperou por ele para jantar, como de costume. Segundo seu relato, só se informou da tragédia por meio de um de seus filhos. Em tribunal, recordou um “bom pai, bom marido, bom filho e bom irmão” que, em vida, deixou uma profunda impressão em todos. “Até o Presidente da República tirou uma foto com meu marido”. Odair, segundo Ana Patrícia, trabalhava e não fazia uso de drogas.

Antes da oitiva de uma jovem que passava pela rua no momento dos eventos — tendo observado a fuga e os confrontos —, falou no tribunal Rui Machado, agente que acompanhava Bruno Pinto na madrugada da morte de Odair.

© 2025 radiocmadeira. Todos os direitos reservados

radiocMadeira.pt
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.