Na tradição mitológica grega, Pigmaleão foi um escultor que, desiludido com as mulheres da vida real, fez uma estátua de marfim tão magnífica que se apaixonou por ela, suplicando a Afrodite que a trouxesse à vida. Em psicologia, o “Efeito Pigmaleão” descreve como nossas expectativas podem definir a realidade.
Analisando a atual onda de pré-candidatos à presidência de Portugal, parece que o eleitorado está preso a uma versão distorcida desse mito. Sem líderes à altura e exausto do “estagnamento” político que se instaurou não como um ciclo, mas como uma doença crônica, o povo tenta desesperadamente moldar em sua mente um novo Presidente. Projetamos qualidades, depositamos esperanças, mas sempre que a estátua ganha voz e começa a falar, a ilusão se desfaz.
A situação não envolve um desfile de “homens-projeto”, capazes de superar a caducidade das ideologias; estamos diante de um museu de cera, onde as figuras ou derretem ao calor dos holofotes ou revelam-se irremediavelmente ocas.
Peguemos como exemplo o Almirante Gouveia e Melo. Surgiu no cenário com a imagem do rigor em uniforme, apresentando eficácia silenciosa. Porém, a política possui uma regra implacável: a palavra é prata, mas o silêncio era seu ouro. O homem que, em um momento de ironia trágica, declarou que precisaria de uma corda e a usaria se entrasse no mundo político, parece agora utilizar essa mesma corda para escalar as sondagens. O problema é que, quanto mais se expressa, mais se torna um caso de estudo de um boneco em areia movediça: o mito da autoridade se dissolve na superficialidade do discurso político. Deixou de ser o ícone da vacinação e transformou-se em um personagem em um jogo que não controla.
No outro extremo, encontramos Luís Marques Mendes. Há anos ele vem moldando sua própria figura nos estúdios de TV, em um exercício metódico de imitação. Busca ser um Marcelo antes mesmo de alcançar a popularidade que o atual presidente possui, criando uma persona que, no entanto, não atinge a medida correta. Carece de algo para a “montanha-russa” emocional, falta-lhe a grandeza que transforma um comentarista em líder. É a política do “avatar”: tudo ali é ensaiado, e o eleitor percebe que está votando em um roteiro, não em um ser humano.
E sobre André Ventura? Ele é o candidato de Schrödinger: consegue ser tudo e ao mesmo tempo nada. Sua agilidade tática é inegável, está anos à frente de seus opositores na interpretação do descontentamento, mas seu conteúdo é, muitas vezes, como as “farófias”: atrai o olhar, preenche o prato, mas se desfaz na boca sem nutrir. Tem o palco, mas terá a substância necessária para unir um país, em vez de apenas incendiá-lo?
À esquerda, o panorama oscila entre o saudosismo e a irrelevância. António Filipe traz a nostalgia de um mundo onde a foice e o martelo camuflados ainda tentam aplicar soluções do século XX fracassadas no século XXI. Catarina Martins demonstrou que a combinação entre a performance de atriz e política é simples, mas ao esgotar o roteiro, fica a incerteza sobre a agenda. Certamente, pelas sondagens, não será pela subvenção. E figuras como Jorge Pinto, do qual só posso dizer quem?! Cotrim de Figueiredo (o tecnocrata que tenta se fazer passar por rebelde) representa atualmente o “zero absoluto” da temperatura política: um gerenciamento administrativo de carreiras que nem esquenta nem esfria.
Permaneço com a interrogação sobre António José Seguro. Para muitos, é o moderado que a nação necessita, a oportunidade de unir esquerda e direita. Mas Seguro enfrenta um paradoxo: ele sofre uma caça às bruxas antecipada de sua própria alma mater, o Largo do Rato. Contudo, se deseja ser uma alternativa, deve deixar de lado o seu papel de monge silencioso. A moderação não se confunde com inércia. Confesso que aprecio sua figura, talvez por conhecê-lo pessoalmente e intuir “q.b.”, mas ainda há um longo caminho até formar um juízo ponderado.
Entretanto, o verdadeiro drama aparece quando essas figuras tentam interagir. O espetáculo dos debates presidenciais se transformou em um exercício deprimente de confusão institucional e tédio. Assistimos a confrontos onde a sintonia é tal que os candidatos parecem prestes a dar match no Tinder, trocando elogios políticos em vez de argumentos. Em outros momentos, a dignidade presidencial se evapora e testemunhamos duas “comadres” disputando por causa do barulho dos filhos, perdidas em pequenas questões que envergonhariam uma reunião de condomínio.
Pior é a confusão de papéis: a maioria discute como se estivesse concorrendo ao Primeiro-Ministro em São Bento, prometendo o que não poderão cumprir, ignorando que a função em Belém é outra. E, em geral, brindam-nos com discursos tão monótonos e vazios que, se misturássemos as vozes em off, o resultado seria mais eficaz para induzir ao sono do que qualquer app de ruído branco ou meditação.
Essa é a minha opinião, mas acredito que é partilhada pelo silêncio de muitos: precisamos mudar a perspectiva. O “estagnação” não é apenas culpa dos políticos, é resultado da nossa tolerância à mediocridade. Persistimos na mesma tela pintada, esperando uma paisagem diferente.
O “Efeito Pigmaleão” falhou porque a matéria-prima é fraca. Portugal precisa parar de aguardar que as estátuas ganhem vida por milagre. Se as ideologias estão exauridas, que venham os “Homens-Projeto” com existência própria. Até lá, corremos o risco de eleger não um Chefe de Estado, mas apenas o ator menos insatisfatório em um teatro de sombras que já ninguém tem paciência para contemplar.
P.S.: Uma observação final, e talvez a mais sensata, para Manuel João Vieira. Em um elenco onde todos se esforçam desesperadamente para parecer estátuas de bronze impecáveis, Vieira é o único que tem a coragem de admitir que é de plasticina psicodélica. É o eterno “Bobo da Corte” que, paradoxalmente, pode acabar por ser o mais perspicaz da sala. Por quê? Porque enquanto os outros fingem que este teatro político é um assunto sério (tornando-o ridículo), Vieira aborda o ridículo com seriedade. Ao menos, ele promete o absurdo e entrega; os outros prometem o universo e entregam a mesma estagnação. Se a campanha é para se tornar um circo, que se dê o microfone a quem não teme usar o nariz vermelho. Com ele, ao menos, ninguém adormece.
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