
A um ano atrás, Mario Draghi apresentou o relatório intitulado O Futuro da Competitividade Europeia – uma análise de grande clareza sobre o declínio relativo da Europa em comparação com potências tecnológicas globais. O ex-presidente do BCE retratou uma União Europeia (UE) vulnerável: com produtividade estagnada, dependência em energia, transições verde e digital incompletas, além de um investimento público cronicamente insuficiente (Draghi, 2024a, 2024b).
Um ano após, a Comissão Europeia revelou as propostas para o Orçamento da UE de 2028 a 2034 e para a nova Política de Coesão. Essas propostas visam concretizar o impulso reformista de Draghi: aumentar a competitividade, a inovação e a autonomia estratégica da Europa. Mas será que o novo Quadro Financeiro Plurianual e a Política de Coesão estão realmente alinhados com o diagnóstico de Draghi – e, mais importante, são capazes de garantir a coesão territorial como um pilar do projeto europeu?
O Relatório Draghi aponta três imperativos estruturais. O primeiro é revitalizar a produtividade europeia através da inovação tecnológica, ciência aplicada e de um mercado interno mais integrado (Draghi, 2024a). Em segundo lugar, é necessário reconstruir uma base industrial verde que possa liderar o processo de descarbonização sem perder competitividade. O terceiro imperativo é reforçar a autonomia estratégica, diminuindo a dependência em energia, matérias-primas e tecnologias críticas. Para alcançar esses objetivos, Draghi sugeriu um “Pilar de Competitividade” no orçamento europeu – um mecanismo de investimento coletivo em setores estratégicos, apoiado em novos recursos próprios e um quadro fiscal comum (Draghi, 2024b).
A proposta da Comissão para o Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034 reafirma a Política de Coesão como um instrumento fundamental, introduzindo, no entanto, mudanças significativas: Planos de Parceria Nacionais e Regionais (unindo fundos e articulando com a PAC), maior flexibilidade programática e pagamentos vinculados a resultados, além de um novo impulso a tecnologias estratégicas (Comissão Europeia, 2025a; 2025b). A Comissão assegura que “nenhuma região menos desenvolvida receberá menos do que no período atual” e mantém taxas diferenciadas de cofinanciamento.
No entanto, a fusão de fundos e a condução por um plano único por Estado-Membro geram receios de recentralização e perda da capacidade de decisão regional.
Essa nova Política de Coesão surge em um contexto de mudança conceitual. Molica, De Renzis e Bourdin (2025) identificam três fases na evolução desta política – “Lisbonização” (2000-2014), “Territorialização” (2014-2020) e “Hiper-lisbonização” (2020-presente) – caracterizadas por uma maior flexibilidade e centralização nacional, com fundos reprogramados para prioridades de curto prazo e metas de competitividade europeias. O risco associado parece ser a diluição da lógica place-based e da convergência territorial, transformando a Política de Coesão em um instrumento funcional de investimento (Molica et al., 2025).
Rodríguez-Pose (2025) ressalta que essa política está “em um momento crítico”: ou se reinventa como um mecanismo democrático que fortalece a confiança dos cidadãos, enraizado nas comunidades, ou será absorvida por lógicas tecnocráticas e top-down. Preservar a territorialização é essencial não apenas por questões de equidade, mas também por exigências de legitimidade política: territórios negligenciados alimentam insatisfação e populismo. Autoridades regionais também alertam para o risco de um “jogo mortífero” orçamentário, caso a integração dos fundos gere competição interna por recursos entre setores e regiões.
A questão central é se a Política de Coesão 2028-2034 permanecerá fiel à abordagem territorial (place-based), defendida desde a Agenda Territorial 2030 e aprofundada no debate acadêmico dos últimos vinte anos. A esse respeito, é importante resgatar dois argumentos relevantes: i) A renovação das políticas públicas e o aumento de seus impactos territoriais exigem uma governança multinível robusta, um maior envolvimento e participação dos atores e das administrações locais, além do fortalecimento da capacitação institucional nos territórios (Neto, 2020); ii) Para a consolidação e êxito das abordagens territoriais, será crucial a evolução das RIS3 (Estratégia de Especialização Inteligente em Pesquisa e Inovação) para um novo patamar, as RIS4, onde o quarto “S” representa a inclusão de uma verdadeira dimensão social (ou seja, recursos humanos, qualificações, formação profissional, demografia, qualidade de vida) nessas estratégias (Neto, Serrano e Santos, 2018).
O futuro das abordagens place-based também depende da capacidade de reconfigurar os mecanismos de territorialização dos impactos das políticas públicas, assim como de sua coerência com as novas agendas europeias (Pacto Verde Europeu, Estratégia Digital Europeia, entre outras), sob o risco de a política perder eficácia na recuperação e convergência.
A combinação entre o impulso competitivo de Draghi e um modelo de coesão mais focado em resultados intensifica uma tensão estrutural sempre presente: como equilibrar eficiência e equidade? A ênfase na performance pode beneficiar territórios com maior capacidade administrativa e financeira, ampliando desigualdades (Molica et al., 2025; Rodríguez-Pose, 2025). Portanto, os novos indicadores de desempenho devem incluir métricas territoriais (disparidades, capacidades institucionais, qualidade da governança), sob o risco de premiar essencialmente outputs rápidos em regiões já desenvolvidas.
Um ano após a publicação do Relatório Draghi, a proposta orçamentária 2028-2034 incorpora várias de suas recomendações: incentivo ao investimento estratégico, simplificação relativa da estrutura financeira e novos recursos para tecnologias essenciais (Comissão Europeia, 2025a; 2025b). No entanto, permanecem incertezas quanto à manutenção do equilíbrio entre competitividade e coesão territorial.
Nesse sentido, três prioridades podem fazer a diferença:
O desafio político é harmonizar o impulso competitivo do Relatório Draghi com a perspectiva territorial da coesão. Se bem calibrada, a Política de Coesão 2028-2034 pode se tornar a ponte entre a economia de investimento e a Europa dos territórios. Caso contrário, corre o risco de repetir o paradoxo mencionado por Draghi: muita ambição no discurso, pouca convergência real nas implementações.
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