
Padre Manuel Ribeiro, Diocese de Bragança-Miranda
Acumulamos gigabytes, terabytes, petabytes de informações. Mas onde estão guardadas as recordações? Recordações verdadeiras, formadas por encontros, gestos e olhares. Aprender a viver em conjunto e criar lembranças é, atualmente, o maior desafio da era digital.
O aprendizado da programação virou quase uma exigência. Discute-se código, algoritmos e inteligência artificial. Porém, há uma linguagem que estamos negligenciando e, sem ela, o futuro será insustentável: a linguagem do encontro, do respeito e da convivência.
Isso não implica em rejeitar o digital. A tecnologia está entre nós. Trabalhamos, estudamos e nos comunicamos em um mundo cada vez mais onlife, onde o físico e o digital se entrelaçam. A questão não é se utilizamos tecnologia, mas sim se a utilizamos de forma ética, consciente e em prol da dignidade humana — ou se somos moldados por ela, que altera nosso pensamento, nossas relações e até mesmo nossas memórias.
O Papa Francisco nos advertiu sobre este perigo: uma globalização sem face, onde o lucro e os algoritmos sobrepõem-se ao ser humano. E a educação, ao invés de ser um espaço de formação integral, corre o risco de se tornar apenas uma fábrica de habilidades técnicas, desprovida de ética, pensamento crítico e cultura do cuidado.
Frequentemente, escolas e universidades transformam-se em centros de treinamento para o mercado, esquecendo que educar vai além de preparar para a competição; trata-se de capacitar para a convivência, para estabelecer vínculos e para criar memórias. Pois, sem diálogo, pensamento crítico e responsabilidade social, seremos altamente habilitados — mas humanamente carentes.
A educação ou é humanizadora, ou não é educação. E ser humanizadora, hoje, requer, mais do que nunca, preparar para o pensamento crítico, para o diálogo intercultural, para o uso ético da tecnologia e para o cultivo de relações e memórias que sustentem nossa comunidade.
Sem capacidade de crítica, seremos manipulados. Sem diálogo, seremos prisioneiros do medo. Sem ética digital, seremos produtos dos algoritmos e não cidadãos. Sem memórias compartilhadas, seremos apenas perfis digitais, avatares isolados e não seres humanos.
Até em regiões remotas de Portugal, como Alfândega da Fé, aparecem sinais concretos de que outro caminho é viável. Ali, surge o sonho de transformar a região em um modelo nacional de ecossistema educacional digital, com o apoio da Universidade Aberta, que em breve inaugurará um polo local. Quando escola, família, comunidade e paróquia se juntam, a educação deixa de ser apenas um treinamento técnico e se torna uma verdadeira formação em humanidade. Nesses contextos, não se apenas programa tecnologia. Programa-se o futuro e constrói-se memórias.
Contudo, isso exige escolhas. Escolhas políticas, culturais e pessoais. Exige romper com a ilusão de que a simples digitalização educa ou que a competição é o único caminho para o progresso. Exige, acima de tudo, coragem para colocar o ser humano no centro e o algoritmo a seu serviço.
Saber programar é benéfico. Mas saber conviver, formar laços e compartilhar recordações é o que nos impede de falhar enquanto sociedade. E o futuro — esse — não se constrói com linhas de código ou métricas de sucesso. Constrói-se com pessoas. Com encontros. Com humanidade.
Essa linguagem, se a ensinarmos e cultivarmos, transformará o digital em uma ponte e não em um muro. E talvez, juntos, possamos programar não apenas máquinas, mas também o futuro que desejamos habitar. Um futuro onde não apenas se acumulam dados, mas se criam memórias. E onde, acima de tudo, reaprendemos a estar juntos.
Porque, no fim, as máquinas se recordarão do que quisermos. Mas só nós decidimos se este tempo se transforma em memória… ou em vazio. Apenas nós podemos programar o futuro com humanidade — ou deixá-lo sem significado. A escolha é nossa.
(Os artigos opinativos publicados nas seções ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ no portal da Agência Ecclesia são de responsabilidade dos autores e refletem apenas suas opiniões.)
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