
D. Antonino Dias,Bispo de Portalegre-Castelo Branco
De fato, existem situações verdadeiramente extraordinárias! Não no sentido de “extraordinário” associado a fúria ou desatino, mas usado para descrever algo absolutamente surpreendente e inacreditável. É impressionante ver que há dias internacionais dedicados a uma infinidade de causas, com cada uma delas recebendo sua própria celebração ao longo do ano, totalizando já 218 datas comemorativas, sem contar os anos temáticos, décadas especiais, dias europeus e outros que a Igreja celebra mundialmente. Compreendemos essa busca por conscientização e a necessidade de ação, mas também reconhecemos que a frequência dessas celebrações pode cansar seus criadores e, em uma abundância excessiva, desmotivar aqueles a quem se pretende sensibilizar. Essa afirmação pode soar absurda, mas convido o leitor a contestá-la se discordar. O Dia Internacional da Democracia se aproxima, e sabemos que a democracia valoriza a liberdade de expressão. No entanto, quando essa liberdade se torna um desabafo irresponsável, pode resultar em comentários absurdos, ideias brilhantes à maneira de um político talentoso, ou ofensas que provocam indignação e reações intensas.
Desde 2007, com a autorização formal da ONU através de uma resolução, a Democracia tem seu dia, celebrado a 15 de setembro. Não sei se essa circunstância a afeta, mas parece que essa bela senhora, a Democracia, anda um tanto perdida e triste, talvez até doente. Além disso, os especialistas que deveriam diagnosticar suas enfermidades parecem atordoados, incapazes de identificar claramente os sinais, demonstrando cansaço e desinteresse. Possivelmente, alguns deles também estejam enfrentando suas próprias crises, quem sabe com sintomas de uma severa aversão à democracia, sem encontrar quem se disponha a fazer um diagnóstico rigoroso e honesto. Assim, a tão almejada Democracia, com suas enfermidades, acaba se contentando com remédios caseiros mal preparados, geralmente auxiliados por amadores ou apressados que não garantem a esperança de um resultado positivo. Paciência, são os desencontros da vida!
Como você pode perceber, ainda há uma possibilidade de a ONU proclamar mais algumas datas internacionais se a criatividade prosperar. A dúvida que persiste é se existe algo tão trivial que mereça apenas um dia no calendário! Já no século III a.C., o sábio Coelet do Eclesiastes, que se insinuava como um observador astuto, concluiu que ‘os muitos estudos cansam o corpo’ (Ecl. 12:12). Ele sabia que há tempo para tudo, mas ao observar seu entorno, via que o que era considerado seguro e garantido estava sendo posto em questão, e o que realmente movia as pessoas era uma ilusão, uma frenética corrida atrás do vento, perdendo o sentido da vida, e percebendo que, apesar de todos os esforços, ‘uma geração se vai, outra se levanta, e a terra permanece a mesma’ (Id. 1:4). Hoje, também há os que reclamam que aquilo que antes era certo – e bom! – foi abandonado sem alternativas ou melhorias. Simultaneamente, dentro de suas percepções, balançam entre aproveitar o que é antigo e criticar quem o criou, ou desfrutar do presente enquanto condenam seus responsáveis, ou ainda sonhar com um futuro tão maravilhoso que até o mundo de Alice pareceria insignificante. Considero a conclusão deles como radical, talvez por guardarem um segredo: ‘Nós é que sabemos! Se não formos nós a assumir o controle, tudo continuará igual: ‘uma geração se vai, outra vem’ e nada de novo surgirá sob o sol, apenas a ruína total!’
Jesus, que transformou a história, veio para aprimorar, não para destruir. Ele respeitou o passado, não se proclamou o dono do presente, mas apontou para um futuro feliz que deve ser construído por todos, sem exclusões. Nesse contexto, apreciamos o diálogo democrático, um processo de discussão e debate onde diversas ideias, interesses e opiniões se encontram na busca pelo novo, especialmente aquelas que podem contribuir com soluções em prol do bem comum, do bem-estar da sociedade e do desenvolvimento sustentável. Um fator crucial nesse processo é a interação saudável entre os poderes legislativo, judicial e executivo, além da lealdade à Constituição, que, neste momento, parece adormecida, senão um grupo de juristas de Coimbra não teria iniciado uma petição pública em defesa dela.
Como estamos discutindo, no âmbito democrático, ninguém deve agir como se fosse o único detentor da verdade atual, ninguém deve romper com o passado sem uma razão válida, e nenhum idealista deve prometer o que não pode cumprir. Tal como Jesus fez, a democracia deve respeitar a tradição, reconhecer o trabalho de quem veio antes e se esforçou para oferecer o melhor possível. Deve ter o compromisso de aprimorar essa herança, tanto quanto necessário e viável, pois não tudo deve ser mantido e nem todos os valores são equivalente na contemporaneidade, mas tudo pode ser revisado e aprimorado. A presunção de descartar tudo que vem do passado para recomeçar do zero, como se isso fosse viável, como se não houvesse história antes de hoje, não é uma atitude sensata, nem um sinal de reconhecimento, gratidão ou crescimento. Este Dia Internacional da Democracia visa exaltar, reafirmar, promover e proteger os seus valores, contando com a colaboração de indivíduos e comunidades, assim como o apoio da sociedade civil e de todos que defendem a democracia. Mesmo após tantos esforços nessa área, há quem, embora entenda que o tempo deve ser usado para criar, plantar, dançar, incluir, abraçar, amar e buscar a paz, prefira ofender, destruir, dividir e guerrear.
Seria igualmente despropositado que, com as eleições autárquicas se aproximando e com apelos à participação e ao voto como deveres democráticos, os políticos se apresentassem com discursos que dêem a entender ao público que a única verdade está em falar mal uns dos outros. O respeito mútuo constrói, educa, fortalece e gera confiança. Já a gritaria e a linguagem agressiva degradam e afastam as pessoas.
(Os artigos de opinião publicados nas seções ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são de responsabilidade de seus autores e refletem apenas suas opiniões.)
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