
Um ex-agente da polícia de Seattle, com 73 anos, foi um dos primeiros alvos de uma ofensiva legal que chocou o sistema judiciário dos Estados Unidos. A correspondência recebida da operadora Comcast parecia uma conta, mas na verdade era uma notificação: ele foi acusado de baixar ilegalmente 80 filmes pornográficos, recebendo uma possível penalização de até 12 milhões de dólares. O caso, reportado pelo ‘The Guardian’, iniciou uma onda sem precedentes de litígios promovidos pela empresa Strike 3 Holdings.
A Strike 3, fundada em 2015, detém os direitos de mais de dois mil filmes da indústria adulta, produzidos pela Vixen Media Group, sua subsidiária. Criada pelo cineasta francês Greg Lansky, o qual foi chamado pela ‘Forbes’ de “Steven Spielberg da pornografia”, a Vixen estabeleceu um império focado em produções de alta qualidade e com características cinematográficas. Contudo, o sucesso artístico virou uma nova fonte de renda: os tribunais.
Litígios massivos e alegações de extorsão
Desde 2017, a Strike 3 já moveu mais de 20 mil ações por violação de direitos autorais, tornando-se a entidade mais litigiosa do país nesse setor. A empresa afirma utilizar um software próprio, chamado VXN Scan, para rastrear endereços IP que baixam seu conteúdo em redes de compartilhamento. Quando um IP é localizado, a Strike 3 processa o usuário anônimo — conhecido como “John Doe” — e solicita ao provedor de internet a identificação do mesmo.
A maioria dos processados prefere negociar acordos fora dos tribunais, que normalmente variam entre 10 mil e 30 mil dólares, para evitar a exposição pública. Juízes federais têm criticado o volume e a natureza reiterativa das denuncias, acusando a empresa de transformar o sistema judiciário em “caixas eletrônicas”. “A Strike 3 inunda o sistema com processos que parecem extorsivos”, escreveu o juiz Royce Lamberth em um despacho.
Advogados de defesa descrevem um verdadeiro “mercado paralelo” de ações, onde o medo e o constrangimento levam cidadãos comuns a pagar para manter a privacidade. “Eles tiram proveito do estigma social ligado à pornografia”, afirmou ao ‘The Guardian’ o advogado Steve Vondran, que já defendeu centenas de acusados.
Software obscuro e práticas questionáveis
A polêmica gira em torno do software VXN Scan, cuja transparência e confiabilidade têm sido amplamente contestadas. Especialistas em direito alertam que endereços IP compartilhados — comuns entre familiares, colegas de quarto ou usuários de redes públicas — não identificam de forma inequívoca um infrator. Casos absurdos acontecem com frequência: uma mulher de 70 anos foi processada por baixar filmes pornográficos, e uma instituição de idosos foi acusada de pirataria por usuários da mesma conexão de internet.
Nenhum dos mais de 20 mil processos da Strike 3 foi a julgamento, o que impediu uma análise judicial sobre o funcionamento do software. “Ninguém sabe como ele realmente funciona”, afirmou o advogado J. Curtis Edmondson, que tem defendido diversos acusados. Em um caso isolado, um juiz chegou a condenar a empresa a pagar reparação a um acusado inocente, mas tal evento ainda é uma exceção.
Da indústria pornográfica à inteligência artificial
O nome Strike 3 voltou a estar em evidência em 2025 com uma nova e surpreendente ação: um processo de 350 milhões de dólares contra a Meta, empresa controladora do Facebook. A acusação alega que a Meta baixou milhares de filmes da Vixen através de torrents para treinar modelos de inteligência artificial, inserindo o caso na crescente discussão sobre direitos autorais na era digital.
A Meta nega as acusações e pediu a suspensão do processo, argumentando que a Strike 3 não demonstrou qualquer ação intencional. Por sua vez, a produtora afirma que “este caso não se trata de uso pessoal, mas de uma conduta corporativa organizada” e defende a legitimidade do seu modelo comercial.
Para juristas e especialistas em tecnologia, este processo pode estabelecer um precedente significativo: caso avance, a empresa poderá ser obrigada a revelar os detalhes do seu software, pela primeira vez, sob escrutínio público.
“Estamos em uma época em que a falsificação de provas digitais é fácil”, alertou Edmondson. “Os tribunais precisam decidir agora o que é considerado válido — pois em breve tudo pode ser gerado por inteligência artificial.”
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