Docente, artista de esboços urbanos, voluntário missionário da Consolata e autor da dissertação «A Espiritualidade no Desenho: das escrituras sagradas ao cotidiano visual» enfatiza a importância da arte na valorização da dignidade humana no Zambujal e o significado dos retratos em uma aldeia isolada da Guiné-Bissau.

Lisboa, 19 de novembro de 2025 (Ecclesia) – O artista Mário Linhares, autor da sua tese de doutorado «A Espiritualidade no Desenho: das escrituras sagradas à arte diária», ressaltou a importância de abordagens interpretativas que tragam à atualidade as influências das escrituras bíblicas.

“Por meio da minha dissertação, busquei compreender como os textos bíblicos me inspiram a desenhar, não apenas para ilustrá-los, mas adotando uma nova perspectiva sobre o meu dia a dia, tentando entender como se entrelaçam com a minha prática artística e como posso inovar”, revelou à Agência ECCLESIA.

Desde sua infância, Mário Linhares reconheceu o desenho como seu refúgio, uma vocação “clara e primeira”, mas ao amadurecer, decidiu explorar de que maneira os textos bíblicos, “com um potencial imenso e a capacidade de influenciar judeus, cristãos e tantos outros que transformam suas vidas a ponto de se tornarem sacerdotes, irmãs e religiosos”, poderiam impactar sua expressão artística.

Ele defende a importância de “autores contemporâneos” que abram o “cofre cultural e espiritual” que toca cada ser humano com “interrogações íntimas, incertezas e certezas de fé” e auxiliem as pessoas a “entender a pluralidade” por meio da escrita, da música, do desenho, da pintura ou da escultura.

“Os textos, quando foram criados, buscavam capturar sua contemporaneidade. Nós continuamos essa experiência humana, e os textos continuam a provocar questionamentos. Se não conseguirmos colocar esses questionamentos em prática na nossa vida cotidiana, na nossa atualidade, então, de fato, não servirão para nada”, reflete.

“Permitir que a vocação reflita essa raiz bíblica, que não é senão uma vivência humana de fé, de uma coletividade que reconheceu que a presença de Deus se manifestava em suas existências. Alguém decidiu registrar isso e assumiu a enorme responsabilidade de escolher as palavras”, complementa.

Durante seus anos de pesquisa, Mário Linhares escolheu cursar doze disciplinas na Faculdade de Teologia, focando nos textos bíblicos, e relata que ali compreendeu o valor da pergunta: “Antigamente, um bom teólogo não fazia perguntas; hoje, um bom teólogo é aquele que questiona”.

A trajetória pessoal de Mário Linhares, professor de desenho, cruzou-se aos 17 anos com os Missionários da Consolata, e ele relembra a amplitude de visão que adquiriu com os relatos de religiosos, religiosas e leigos, durante suas viagens pela África e América Latina, ou no Bairro do Zambujal, na periferia de Lisboa.

“Em uma missão isolada na Costa do Marfim, a ausência de um médico ou de um professor é perceptível, mas e o artista? O que pode aportar um artista em uma aldeia remota, onde as necessidades cotidianas vão desde ter uma refeição diária? Hoje, tenho a resposta. Na Guiné-Bissau, onde estive em uma missão, as crianças me perguntavam: ‘Ó Mário, mas tu não trabalhas? Passas o dia desenhando, isso não é trabalho?’ Mas então, em uma aldeia isolada, eu me sento no chão para desenhar, e a aldeia se reúne ao meu redor, e o desenho cria uma conexão com as pessoas”, recorda.

Mário Linhares teve uma experiência semelhante ao se sentar nas “ruas amplas” do Bairro do Zambujal para desenhar duas meninas de origem cigana.

“A arte e a beleza elevam a autoestima e dignificam o ser humano. Recordo muito bem de duas meninas que desenhei e que, radiantes, foram chamar a mãe, o pai e a avó. Chegaram todas felizes. De que outra forma eu poderia me conectar com aquelas famílias? O desenho possui um poder realmente imenso”, conclui.

Mário Linhares é o convidado do programa ECCLESIA, que vai ao ar hoje na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e que estará disponível no podcast «Alarga a tua tenda».

LS