
À medida que se aproxima o Dia Nacional do Empresário, e em um cenário de intensa movimentação laboral devido à anunciada greve geral marcada para 11 de dezembro, temos como convidada da Renascença e da Agência ECCLESIA a presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores.
Entrevista realizada por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia).
Você participou do primeiro encontro da ACEGE em Londres. Poderia compartilhar sua experiência sobre essa iniciativa?
Essa iniciativa está relacionada aos muitos portugueses que residem em Londres e que possuem vínculo com a ACEGE. Durante o encontro, discutimos um pouco sobre o ambiente de trabalho na cidade, a aceleração da rotina e a luta pela competitividade presente aqui. Além disso, conectamos esses tópicos com questões mais espirituais e de reflexão pessoal em relação à vida familiar de cada indivíduo.
O evento foi muito enriquecedor, reunindo grandes amigos portugueses e suas famílias. Foi gratificante ver a participação das famílias e das crianças, o que tornou tudo muito produtivo.
Estamos em um momento de tensões e mudanças legislativas em Portugal. Você percebe um distanciamento nas relações entre trabalhadores e empregadores, onde o empresário acaba sendo visto como alguém que apenas busca lucros, perdendo a visão humanista?
Eu prefiro acreditar, e temos uma crença forte, que as empresas estão se tornando progressivamente mais sensíveis às necessidades de equilíbrio entre vida profissional e familiar. Cada vez mais, observo empresas implementando políticas que cuidam de seus colaboradores. Embora o caminho ainda tenha muito a avançar, a percepção pública pode estar um pouco desfasada em relação às práticas reais. Temos um programa voltado para empresas comprometidas com a responsabilidade familiar, que aprofunda as práticas de trabalho, saúde mental e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Notamos um aumento no número de empresas interessadas em aderir e se certificar nessas práticas. Por isso, acredito que o panorama é mais positivo do que se costuma discutir.
Naturalmente, sempre há espaço para aprimoramentos. Como uma associação cristã, o que a ACEGE pode fazer para melhorar as relações laborais?
Com certeza. Há sempre espaço para melhorias e para aumentar a conscientização entre as empresas. Nossa crença é que as empresas devem ver seus colaboradores antes de tudo como seres humanos, com o desejo de dignificar suas vidas. Além do aspecto prático, a produtividade não pode ser alcançada pela exploração dos trabalhadores. As empresas precisam oferecer condições dignas, não só no aspecto salarial, mas criando um ambiente equilibrado para seus colaboradores, promovendo a reciprocidade.
Focar somente no lucro não faz sentido. As empresas existem para dignificar os indivíduos e enriquecer suas vidas, promovendo o desenvolvimento pessoal, profissionais, conhecimento, estabilidade familiar e a construção de uma vida digna. Oferecemos programas e campanhas de sensibilização que estão em linha com essa prática. As empresas podem ser um grande meio para fomentar a prosperidade humana.
Você mencionou um tema relevante no debate atual: muitos trabalhadores buscam diversas motivações no ambiente de trabalho, no entanto, em Portugal, os baixos salários são uma queixa constante. Essa é uma crítica válida em sua opinião?
Sem dúvida. Portugal ainda enfrenta desafios relacionados aos salários que permanecem abaixo do desejável e dos padrões europeus. É essencial que as empresas tomem a iniciativa de melhorar esses salários. Essa mudança é fundamental para nos alinhar com as empresas europeias e para a competitividade que desejamos fomentar. Cria-se um ciclo virtuoso onde, ao aumentar a produtividade, nos tornamos mais competitivos; quando isso acontece, os resultados aumentam e, consequentemente, podemos pagar melhores salários.
É imprescindível que essas melhorias aconteçam, pois não podemos esperar pagar salários justos sem gerar resultados. Além disso, a distribuição dos lucros deve ser equitativa. Esse modelo colaborativo, ao invés de mercantilista, é necessário.
Como mencionei antes, existem empresas – em parte pela influência das multinacionais, particularmente após a nossa adesão à União Europeia – que precisam tomar consciência de que os frutos do trabalho não se destinam apenas aos acionistas, mas também devem ser repartidos com todos os colaboradores, e essa mentalidade deve ser incorporada.
Recentemente, a discussão sobre alterações significativas na legislação laboral está em pauta, sem que haja um pedido formal dos empresários ou do governo durante as campanhas eleitorais. Para a ACEGE, isso é uma prioridade neste momento?
Para a ACEGE, a prioridade sempre será o equilíbrio que mencionei antes. Acredito que medidas que aumentem a competitividade também ajudam o país a prosperar, desde que sejam adotadas com o devido cuidado. É crucial que as novas leis promovam a geração de mais riqueza, que por sua vez deve ser distribuída de maneira justa. Precisamos abandonar a visão de antagonismo entre empresas e colaboradores, pois essa postura não favorece a competitividade do país e o progresso social.
Os sindicatos argumentam que as propostas de alteração penalizam os trabalhadores, retirando-lhes direitos. Você considera essa proposta, tal como se apresenta, desequilibrada?
Ao meu ver, não é completamente desequilibrada. Existem medidas que são necessárias, especialmente em termos de competitividade. Se queremos estar inseridos na Europa e no mercado global, precisamos ser mais competitivos, mas isso também pode exigir ajustes. A interação entre empresários e colaboradores deve ser cooperativa, focando na justa distribuição da riqueza gerada. O comprometimento dos colaboradores com a prosperidade das empresas e do país é essencial. Em contrapartida, deve haver justiça nas remunerações, criando uma relação de reciprocidade.
Você acredita que é viável um consenso que possibilite a desconvocação da greve geral?
Espero que sim. Este governo já demonstrou ser aberto ao diálogo em várias ocasiões e espero que, desta vez, também o seja.
É esse o seu apelo? Que haja diálogo?
Exato. Faço um apelo ao diálogo, à abertura mental e a um foco em evoluir, onde cada parte reconheça seus deveres e não apenas seus direitos. Muitas vezes nos concentramos excessivamente em direitos individuais, quando deveríamos pensar em como contribuir para a prosperidade do nosso país, das nossas empresas e das nossas comunidades.
A evolução pode significar um retrocesso em algumas áreas?
Eventualmente. Prefiro não me aprofundar muito, pois são muitos detalhes e medidas envolvidas. O ideal é que as discussões levem ao equilíbrio necessário.
Voltando ao debate social, na primeira exortação apostólica Dilexi Te, o Papa Leão XIII fez críticas severas a uma economia que mata. Após o Jubileu do Trabalho em Lisboa, onde estivemos juntos, ele afirmou que não se deve ver as empresas como alvos, mas sim, como geradoras de desenvolvimento humano. Como a Associação pretende criar alternativas a essa economia que os últimos Papas denunciavam?
Primeiramente, devemos entender a mensagem desses Papas não como adversária dos empresários. O foco é sensibilizar empresários e gestores a distribuírem melhor a riqueza e para que não haja desigualdades tão acentuadas entre os lucros obtidos e o que é repartido. A Igreja reconhece e respeita profundamente o papel das empresas na sociedade. A mensagem é um apelo à humanização das práticas empresariais, a busca por maior sensibilidade em relação às pessoas que integram e fazem as empresas avançarem. Enfatizo que as empresas não pertencem apenas aos acionistas, mas a todos os colaboradores que nelas trabalham, e a responsabilidade recai sobre nós, empresários, de considerar cada colaborador como um componente vital da organização.
Um dos grandes desafios atuais está relacionado à inteligência artificial. Estamos lidando bem com essa nova realidade? Estamos preparados para os seus desafios?
Estamos protegendo o trabalho?
A inteligência artificial ainda está em seus estágios iniciais, e as previsões sobre seu impacto são diversas. Acredito que a inteligência artificial pode ser uma aliada para facilitar e otimizar o trabalho, promovendo um avanço significativo em várias áreas.
No entanto, é necessário que nos adaptemos a essas mudanças, assim como ocorreu em outras revoluções tecnológicas. Devemos encontrar soluções e alternativas, especialmente nas profissões que visam o bem-estar humano, que continuarão a ser fundamentais. Com a transformação de algumas funções, a presença humana continuará sendo imprescindível.
A inteligência artificial encontrará seu espaço, e devemos implementar seu uso de maneira ética, já que ainda não temos as diretrizes adequadas, embora creia que elas surgirão à medida que a inteligência humana se ajuste e evolua.
No que diz respeito ao trabalho humano, em Portugal, frequentemente se menciona a falta de mão de obra, o que impacta a produtividade do país. Neste momento, estamos discutindo legislação que pode complicar o recrutamento de trabalhadores imigrantes.
Considerando que todos concordamos sobre a necessidade de regular a imigração, qual é a sua análise desse processo e das críticas da Igreja Católica em relação a uma parte dessa legislação?
A legislação deve regular a imigração, sem afastá-la. A informação que vem sendo divulgada sugere que a intenção é corrigir desregulações que observamos. Isso pode gerar problemas sociais significativos, pois acolher muitas pessoas sem garantir sua adaptação, integração e trabalho remunerado de forma justa pode levar a uma vida indigna para esses indivíduos. Acredito que a lei deve assegurar que todos os imigrantes sejam recebidos com dignidade em Portugal.
Ainda que algumas medidas possam parecer restritivas, confio que há uma vontade de acolher mais imigrantes. Devemos ver esse processo como cíclico, reconhecendo que se há necessidade de maior regulação atualmente, isso não significa que as leis não possam ser ajustadas conforme o necessário. Os acordos bilaterais com países também podem facilitar a chegada de trabalhadores para suprir a falta de mão de obra, um paradoxo em relação ao que discutimos sobre inteligência artificial.
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